A maioridade trabalhista e o novo Código Civil

1. Maioridade civil

Atinge-se a maioridade civil, agora, no Brasil, aos 18 anos. Com efeito, diz o caput do art. 5.º do NCCB (Lei n.º 10.406, de 10/1/02, em vigor desde 11/1/03): “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.

Segundo Maria Helena Diniz, ao atingir dezoito anos a pessoa adquire a capacidade de fato, podendo exercer pessoalmente os atos da vida civil, ante a presunção de já possuir experiência, em face de haver adquirido “formação cultural, responsável pela precocidade de seu desenvolvimento físico-mental e do discernimento necessário para a efetivação de atos negociais” (Código Civil Anotado. 8.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 16).

Consideram-se, entretanto, absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de dezesseis anos (art. 3.º, I); e relativamente incapazes a certos atos, ou à maneira de os exercer, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (art. 4.º, I).

2. Reflexo na órbita previdenciária

A legislação previdenciária considera como dependentes os filhos não emancipados menores de 21 anos ou inválidos (art. 16, I, da Lei n.º 8.213/91). A aquisição da maioridade civil aos 18 anos tem influência no Direito Previdenciário de tal modo que os filhos dos segurados do Regime Geral da Previdência Social serão considerados “dependentes” para fins de percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio reclusão até a idade de 18 anos.

Quanto ao beneficiário da pensão do servidor público federal a referência é o filho menor de 21 anos, o que pode gerar uma certa dúvida (art. 217, II, “a”, da Lei n.º 8.112/90), pelo menos num primeiro momento.

3. Capacidade trabalhista

Para o Direito do Trabalho a incapacidade absoluta, também, acaba, normalmente, aos 16 anos e a incapacidade relativa aos 18 (art. 7.º, XXXIII, EC 20/98). A capacidade trabalhista possui a seguinte gradação: a) plena aos 18 anos; b) relativa entre 16 e 18; c) incapacidade absoluta, dos menores de 16.

4. Menor aprendiz

Há uma legitimação especial conferida ao menor de 14 para contratar quando, apesar do limite de idade, conjugar o aprendizado como objeto do contrato. Trata-se de autorização legal, e sui generis, forma de suprimento da incapacidade relativa e que tem em vista só aquele ato.

A Lei n.º 10.097, de 19/12/00, estabeleceu o novo contrato de aprendizagem, alterando a CLT (arts. 402, 403 e 428), e considerando: a) menor o trabalhador de quatorze até dezoito anos; b) proibido qualquer trabalho de menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos; c) o contrato de aprendizagem como especial, ajustado por escrito e por prazo determinado (não superior a 2 anos), em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos formação técnico-profissional metódica.

5. Jogador de futebol

Fica prejudicada a disciplina do art. 5.º e parágrafo único da Lei n.º 6.354/76, que condiciona a celebração do contrato de atleta profissional de futebol entre 18 e 21 anos ao prévio e expresso assentimento de seu representante legal.

6. Capacidadetrabalhista do empregador

Tendo capacidade relativa (entre 16 e 18 anos) pode a pessoa celebrar contrato na qualidade de empregador, porque para ela cessa a incapacidade pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria (art. 5.º, parágrafo único, V, do NCCB).

Essa regra já existia no inciso V do art. 9.º do diploma civil revogado. Renan Lotufo salienta, nesse sentido, “caso um menor entre 16 e 18 anos tenha a reunião de bens necessários ao desenvolvimento da atividade comercial, sofrerá os efeitos da emancipação” (ob. cit., p. 33), recordando que Sílvio Rodrigues considerava essa disposição com o objetivo de proteger as pessoas que, de “boa-fé” estabelecem relações comerciais com o menor, diversamente de Maria Helena Diniz, para quem esse dispositivo é fruto do amadurecimento e experiência do menor, sendo ilógico que para cada ato seu houvesse uma autorização paterna.

7. A NOVIDADE: maioridade (emancipação) aos 16 existindo relação de emprego que gere economia própria

Também cessa a incapacidade com dezesseis anos completos se o menor emprega-se, adquirindo economia própria (art. 5.º, parágrafo único, inciso V).

Para Renan Lotufo “não é qualquer relação de trabalho que ensejará a maioridade plena, mas apenas aquela exercida regularmente e que permite a auto-subsistência” (ob. cit., p. 33).

Abrange essa situação não só os trabalhadores urbanos, como também os rurais, e, inclusive, os domésticos.

A contratação dependerá da assistência do responsável legal (arts. 104 e 1.634, V). Não havendo assistência ao menor, entretanto, poderá, ainda assim, formar-se o vínculo com as conseqüências práticas devidas, em face do princípio da primazia da realidade, aplicável ao direito do trabalho, pelo qual: “em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” (RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1993. p. 217).

As conseqüências desse emprego (a partir dos dezesseis anos que possibilite economia própria ao trabalhador) são as seguintes: a) emancipação (art. 1.635, II, do NCCB); b) ineficácia dos arts. 408, 424 e 439 da CLT, que tinham por pressuposto a menoridade.

A expressão economia própria é polêmica: pode ou não ser atingida (ou adquirida) apenas com a percepção do salário mínimo (pondere-se que é possível sobreviver com esse valor em determinadas regiões do país, onde o custo de vida é mais baixo), não ocorrendo nos contratos a tempo parcial do art. 58-A da CLT, com remuneração inferior ao mínimo legal. Observe-se que a regra constitucional parte do princípio de que o salário mínimo é capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família (art. 7.º, IV).

Sobre o tema Walter Ceneviva, em sua coluna Letras Jurídicas, no jornal Folha de São Paulo, afirmou: “Dizer qual é o valor mínimo necessário para a satisfação das necessidades do trabalhador e de sua família fica fora do campo do Direito. É problema da sociologia, da saúde e depende de um grande número de fatores” (Mínimo é menos que o mínimo. Caderno Cotidiano. Sábado, 5 de abril de 2003. p. C-2).

Por outro lado, Edilton Meireles explicita com argúcia: “A expressão economia própria` deve ser entendida como a percepção de remuneração suficiente para o sustento próprio e de sua família. Entendemos, então, que, ainda que formalmente, com a simples percepção do salário mínimo se estará preenchendo esse requisito, pois é a lei que, ao definir o seu valor, preceitua o que seja o mínimo necessário para subsidiar o sustento do empregado e de sua família” (O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 2.ª ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 15).

Complementa sua assertiva, o autor mencionado, dizendo: “Faltará essa economia própria, quando, por exemplo, o menor é admitido para receber salário inferior ao mínimo legal, o que pode ocorrer se contratado a tempo parcial, por exemplo” (ob. cit. e p. cit.).

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no TRT da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

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