A 5 de outubro, um ano antes da Constituição Federal completar 20 anos de sua promulgação, dirigentes sindicais dos trabalhadores paranaenses e brasileiros reuniram-se para renovar seus propósitos de luta por melhores condições de vida, de salário e de trabalho e, ao mesmo tempo, de confirmar a defesa dos seus direitos constitucionais. A Plenária da Nova Central Sindical dos Trabalhadores-Paraná, realizada em Foz do Iguaçu, dias 4 e 5 de outubro, não apenas reafirma esses propósitos de luta e de defesa de direitos, como vai além: quer avançar para a consagração de novas conquistas. Ali estavam dirigentes sindicais históricos, como Calixto Ramos, Omar José Gomes, das Confederações de Trabalhadores na Indústria e do Transporte, e novos dirigentes nacionais, como o paranaense Moacyr Robert Tesch Auersvald, da Confederação dos Trabalhadores em Hoteis e Turismo, e lideranças regionais dos setores dos trabalhadores na indústria da construção e do mobiliário, dos transportes, dos hotéis e turismo, da indústria de alimentação e outras categorias profissionais. A Plenária analisou a tramitação do projeto de lei do Senado 248/2006 sobre as contribuições sindicais, do senador Paulo Paim; debateu a inserção de menores aprendizes e deficientes físicos no mercado de trabalho, com exposições da procuradora do trabalho Eliane Lucina e do Delegado Regional do Trabalho no Paraná Sergio Silveira de Barros; detalhou os pontos básicos da Agenda dos Trabalhadores pelo Desenvolvimento e avaliou os impactos da implantação do piso regional na economia paranaense, com dados do economista do Dieese Cid Cordeiro da Silva; e, finalmente, foram apresentados os arranjos produtivos locais por Cesar Reinaldo Rissete. Além desses pontos de debate, as questões da planificação da ação sindical foram abordadas dentro do plano de trabalho nacional da Nova Central Sindical dos Trabalhadores.
19 anos da Constituição Cidadã
Participei dos debates sobre os dezenove anos da Constituição Cidadã, quer de sua importância para nosso povo, como para a classe trabalhadora. Por certo, é cada vez mais necessário aprofundar o debate entre os que defendem um Estado de direito, com base social, e os que insistem em pregar a necessidade do livre mercado a que se subordinam leis e regulamentos, sufocando as necessidades do povo às injunções da bolsa de valores. Por isso mesmo, a temática constitucional está presente, no sentido de diminuir o distanciamento do povo em relação ao seu principal estatuto jurídico, ou seja, o pequeno valor que ainda se dá aos direitos fundamentais de cidadão.
Uma dívida a ser paga: A Constituição de 5 de outubro de 1988, por determinação do art. 64 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, deveria ter sido publicada em uma edição popular pelos governos federal, estaduais e municipais, para ser colocada à disposição de escolas, cartórios, sindicatos, quartéis, igrejas e outras instituições da comunidade, com o objetivo de que cada cidadão recebesse seu exemplar gratuitamente. Passados dezenove anos de sua promulgação, não só os cidadãos não receberam seus exemplares, como a Constituição foi emendada e tentam violentada constantemente. Permanece essa dívida com o nosso povo, que devemos exigir que seja paga.
Legislação complementar necessária: No que concerne aos direitos sociais (arts. 6.º ao 11), a legislação complementar não foi aprovada em relação a vários pontos: – Não há relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária; – o salário mínimo (R$ 380,00) não alcança o atendimento das necessidades básicas estipuladas nos requisitos constitucionais; – o piso salarial profissional depende de negociações coletivas para a grande maioria das categorias profissionais; – inexiste lei de proteção ao salário, com medidas eficazes contra o não pagamento e em especial que puna a retenção dolosa do salário; – a participação na gestão da empresa sequer é cogitada; – o salário-família tem valor simbólico; – não há proteção do mercado de trabalho da mulher com incentivos específicos; – não há normas eficientes de proteção à saúde e integridade física do trabalhador (o Brasil continua campeão mundial de acidentes no trabalho); – não se fixou o adicional para o trabalho penoso; – as creches e pré-escolas do nascimento até cinco anos de idade são insuficientes; – e não houve qualquer medida legal que impedisse a crescente automação no trabalho ocasionadora de desemprego.
Descaso de legislador: Esse vazio pós-constitucional reflete o descaso do legislador face à proteção ao trabalho. Aposta-se, entretanto, na reforma constitucional para enfrentar a crise. Panacéia para todos os males, mexer na Constituição será o remédio salvador. Mas, em verdade, quando a Constituição não se cumpre, é porque não interessa ao poder econômico que ela seja aplicada. Inverte-se, assim, a equação. A Constituição precisa ser reformada, para que o poder possa ser exercitado a serviço do livre-mercado dos cassinos financeiros, embora a dura realidade esteja a exigir a pura e simples aplicação das normas constitucionais de proteção social.
Uma Lição socialista: Por isso, é oportuno relembrar o socialista Ferdinand Lassalle (1825-1864), autor de pequena magistral obra intitulada ?Que é uma Constituicão??. Em suas conclusões práticas, Lassalle termina sua conferência afirmando: ?Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar?.
Defender o texto constitucional: Na análise do sistema de poder econômico teremos a resposta sobre por que a Constituição de 1988 vem sendo descumprida e poderá ser desfigurada por interesse das forças políticas e econômicas que detêm esse poder. Os trabalhadores e suas organizações sindicais e outras associações terão a difícil, mas necessária, tarefa de defender o texto constitucional. Primeiramente, impedir a descaracterização da Carta Política de maior expressão que o país já teve, seguramente a mais importante para os direitos sociais. Se a fidelidade ao poder constituinte expresso em 1988 for reafirmada pela classe trabalhadora e segmentos sociais democráticos, será possível organizar-se movimento em defesa da Constituição. Caso contrário, estaremos a mercê do colapso da lei fundamental.
Direito do Trabalho: No que concerne ao Direito do Trabalho, se prevalecer a tese de afastar da Constituição as normas relativas aos direitos sociais e à organização sindical, estará aberta a estrada para a desconstituição orgânica dos trabalhadores. Os sindicatos serão pulverizados, as convenções e acordos coletivos de trabalho serão suprimidos, a Justiça do Trabalho perderá seu caráter tutelar. Essa desconstitucionalização significará a possibilidade de que as forças dominadoras do mercado imponham suas regras, a serviço do interesse dos grandes grupos econômicos internacionais. Estaremos, desse modo, a um passo do predomínio da força, muito mais longe dos primados da liberdade e da igualdade.
Ação parlamentar: Os incisos não regulamentados do artigo 7.º da Constituição Federal são lei, mas inaplicáveis por falta dessa regulamentação. Vários projetos de lei complementares à Constituição estão tramitando no Congresso Nacional. É obrigação das entidades representativas dos setores populares e profissionais, efetuar o levantamento de todas essas proposições e definir uma estratégia de esclarecimento e pressão visando a aprovação de alguns desses projetos de lei complementares. Tarefa que deve ser desenvolvida, em especial, pelo conjunto do movimento sindical e outras organizações ligadas aos trabalhadores e pelos parlamentares que têm compromisso com a classe trabalhadora. Esse trabalho conjunto, por certo, viabilizará a conquista desse objetivo.
Posse no TST
A posse de Fernando Eizo Ono como ministro do Tribunal Superior do Trabalho, no dia 4 de outubro, foi saudada como acontecimento marcante para a Justiça do Trabalho do Paraná e para o povo paranaense. Magistrado nascido em terras paranaenses, de formação vinculada com as raízes dos que vêm construindo nosso Estado, assim como de formação jurídica desenvolvida no Paraná, Fernando Eizo Ono, com sua simplicidade pessoal, aliada à sua firmeza conceitual, traduz a união, ao mesmo tempo, da experiência nascida das lides laboralistas, do estudo constante das matrizes jurídicas do Direito do Trabalho, como do trato das coisas administrativas e institucionais.
Dissídio Coletivo e Comum Acordo (1)
Recente decisão do TRT do Rio Grande do Sul reafirma o direito da entidade sindical ajuizar dissídio coletivo de trabalho independentemente da concordância patronal e do Tribunal julgar o pedido. Eis a ementa: ?Ajuizamento de ação coletiva. Necessidade de ?comum acordo?. A expressão ?comum acordo?, inserta na parágrafo 2.º, do art.114 da Constituição Federal, com a redação introduzida pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8/12/2004, trata-se de mera faculdade das partes em, consensualmente, ajuizarem ação coletiva, e não conflita com o direito de ação assegurado nos incisos XXXIV e XXXV, do art. 5.º, também da Constituição Federal. Preliminar de extinção do feito, sem resolução do mérito, rejeitada? (TRT RS 01548-2006-000-04-00-9, Ac. Publicado no DJRS 16/8/2007 Relator Des. Flávia Lorena Pacheco)
Dissídio Coletivo e Comum Acordo (2)
Embora o voto da Des. Marlene T. Fuverki Suguimatsu, como relatora de Dissídio Coletivo de Trabalho, tenha seguido a orientação da Seção Especializada do TRT.PR sobre a necessidade de comum acordo para o julgamento da ação, seu posicionamento pessoal é discordante da tese majoritária, como lavrou no acórdão, em esplêndida lição:?Ressalvo, aqui, entendimento pessoal no sentido de que, embora se admita a constitucionalidade do dispositivo, até que o STF defina de forma diversa, contudo, a exigência do ?comum acordo? não pode ser levada às últimas conseqüências, a ponto de permitir a supremacia da vontade de uma das partes dotada de poderes capazes de vulnerar a própria garantia constitucional do direito de ação. Não é razoável entender que basta a recusa do suscitado, sem maiores justificativas, para se impedir o prosseguimento do dissídio. A sociedade contemporânea não tolera falta de transparência na condução dos atos e das relações entre as pessoas e as instituições. Impõe-se que a Administração Pública (Legislativo ou Executivo) motive os seus atos; que o Poder Judiciário fundamente as suas decisões; e que as instituições públicas e privadas pautem-se por condutas finalísticas coerentes com as práticas que adotam. Ou seja, não basta executar, é necessário tornar claro por que se executa e que fins se pretende atingir. Permitir que o suscitado manifeste recusa quanto ao ajuizamento do dissídio, sem ao menos tornar claras, transparentes, as razões dessa recusa, significa permitir que o exercício da jurisdição condicione-se a eventuais caprichos, intolerâncias, indisposições e até mesmo propósitos capazes de prejudicar toda uma categoria, sem que nem mesmo o Poder Judiciário, guardião da ordem constitucional e por conseqüência, dos direitos fundamentais, possa coibir a atitude. Entendo ser imprescindível que o suscitado decline os reais motivos da recusa, para que possam ser analisados pelo Poder Judiciário quanto a sua legalidade e legitimidade. Não havendo justificativas ou concluindo-se que não reúnem esses requisitos, deve-se considerar possível o ajuizamento e o prosseguimento do dissídio. Na hipótese, o suscitado apresentou recusa ao argumento de que a negociação é a melhor via, o que é evidentemente retórico, já que as partes estiveram em negociação, sem êxito, e nenhuma justificativa veio aos autos para a ausência de composição?. (Acórdão 29071/2007 Proc. TRT PR 16013 2006 909 09 00 6 Relatora Des. Marlene T. Fuverki Suguimatsu, publicado no DJPR em 5/10/2007).
STJ: ação popular
Importante decisão do Superior Tribunal de Justiça ao consagrar a tese de que ?qualquer cidadão brasileiro pode, individualmente, propor ação popular contra atos administrativos que possam causar danos ao meio ambiente. Esse é o entendimento da Segunda Turma do STJ, que negou o recurso especial da Fazenda do Estado de São Paulo com o objetivo de sustar ação popular por falta de interesse de agir dos autores?. ?O relator do caso, ministro Castro Meira, destacou que o inciso LXXIII do artigo 5.º da Constituição Federal é claro ao afirmar que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular tendente a anular ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente, entre outros? (Resp 889766).
?Gracias a la Vida, que me ha dado tanto / Me ha dado la risa y me ha dado el llanto, / asi yo distingo dicha de quebranto / los dos materiales que forman mi canto / y el canto de ustedes que es el mismo canto / y el canto de todos que es mi próprio canto?. (Violeta Parra, compositora, cantora, artista plástica, ceramista, nasceu no Chile a 4/10/1917 e morreu a 5/2/1967. Ouça a gravação de ?Gracias a la Vida? na voz de Elis Regina).
Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal (PT/PR), autor do estudo ?Novos Direitos Constitucionais dos Trabalhadores?, Editora LTr 1988.
E-mail: edesiopassos@terra.com.br