Com o advento da Constituição de 1988, diversos valores e direitos fundamentais foram materializados com o intuito de preservar o ser humano e lhe conferir maior autonomia, liberdade e segurança.

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Dentre eles, é possível citar a liberdade religiosa. Esta forma de liberdade inclui valores como a tolerância, o respeito e a diversidade, que interagem e se influenciam constantemente, refletindo em preceitos legislativos e condutas governamentais.

Com o intuito de compreender a relevância da liberdade religiosa, e analisar os conflitos constitucionais existentes, faz-se necessário perceber a amplitude de tal princípio e suas conseqüências, desde as negativas, tais como perseguições religiosas e intolerância religiosa, bem como os frutos positivos de tal liberdade voltados a garantir harmonia social.

A liberdade religiosa não tem um ponto absoluto de início, mas teve suas repercussões a partir de alguns momentos históricos. Aldir Soriano bem relata um deles: “A expressão liberdade religiosa foi utilizada, provavelmente, pela primeira vez, no segundo século da era cristã. Tertuliano, um advogado convertido ao cristianismo, usou essa expressão na sua obra intitulada Apologia (197 d. C), para defender os cristãos que passavam por uma feroz perseguição religiosa empreendida pelo Império Romano. A obra foi endereçada aos governantes romanos a fim de sensibilizá-los acerca das injustiças e violências praticadas contra os cristãos”(1).

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Os conflitos religiosos que marcaram a história, sob análise da importância do princípio da liberdade religiosa, têm direta conexão com a atual situação do que se tem percebido no mundo religioso e as perseguições resultantes dos países intolerantes.

As estatísticas têm demonstrado(2) que a intolerância religiosa não é algo que restou tão somente ao passado. Do contrário, países e grupos continuam com suas rígidas opiniões quanto ao tema, não oportunizando a garantia que cada indivíduo detém.

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Identifica-se um exemplo contemporâneo nas recentes afirmações do Presidente francês Nicolau Sarkozy, segundo o qual as vestimentas religiosas muçulmanas (burcas) não deveriam ser toleradas naquele país, pois feririam a igualdade de gênero e a dignidade da mulher.

No direito brasileiro, a previsão primordial deu-se com a Constituição de 1824, a qual dispunha em seu artigo 5.º, ser permitido o culto doméstico ou particular em casas destinadas a tanto, contudo a religião católica romana continuava a ser religião oficial do império, o que ocorreu até a primeira Constituição da República (1891). Atualmente, a Constituição de 1988 garante a liberdade de religião em seu art. 5.º VI, VII e VIII.

A delimitação conceitual sobre as liberdades de forma geral, como sendo um direito e um princípio recepcionado pelo constitucionalismo pátrio engloba a percepção da liberdade de consciência, de crença, de culto e de organização religiosa, divisão esta optada pela Constituição Federal, a fim de proteger cada meio de liberdade, suas manifestações e até mesmo a opção de não ter ou mudar de opção religiosa.

Outra relevante questão a ser tratada é o conflito entre a liberdade religiosa e outros direitos assegurados pelo texto constitucional. Em verdade, o conflito e o confrontamento entre princípios não é só comum, mas salutar ao ordenamento jurídico.

Analisar esta seara significa tentar compreender as dificuldades de homogeneização da hermenêutica principiológica constitucional. O objetivo de se estudar e proteger a liberdade religiosa, portanto, perpassa o viés jurídico e visa à percepção da pessoa humana em seu meio social, considerando-se os reflexos de suas crenças e relações religiosas na esfera jurídica.

Tendo em vista as colisões no que tange a direitos fundamentais e princípios constitucionais, é preciso a busca de um estudo relativo ao princípio da liberdade religiosa, destacando-se a importância de verificar quais as situaç&oti,lde;es de conflito e quando um princípio deve prevalecer, sob análise da técnica da ponderação.

Intrigante questão é a da liberdade religião frente a ação estatal, analisada sob a ótica da cláusula da separação entre Estado e Igreja. Daí surgem indagações, tais como a formulada por Maria Claudia B. Pinheiro: “qual comportamento deve ser adotado pelo poder público, quando dogmas de fé culminam por colidir com valores fundamentais do Estado?” Num Estado Laico, a Administração Pública deve abster-se de interferir em normas internas das entidades religiosas, assegurando um Estado constitucional plural. Por isso, explica Pinheiro que “a cláusula de separação Estado-Igreja não torna o espaço público incompatível com manifestações de fé. As manifestações (…) serão legítimas desde que não realizadas ou patrocinadas pelo próprio Estado (…) [este] proibido de qualquer identificação simbólica capaz de motivar a compreensão de que, aos olhos do poder público, há religião tradicional, merecedora de maior visibilidade”(3).

Outro conflito entre direitos fundamentais, extraído da experiência jurisprudencial é a colisão entre a liberdade de expressão e a liberdade de religião. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu correto o recolhimento de livro distribuído aos alunos da rede municipal de ensino, sob o argumento do mesmo estar por discriminar determinada crença.

Na análise do caso concreto ponderou pela “mitigação do direito do autor em detrimento do direito à liberdade de crença religiosa e o princípio da laicidade do Estado. Conclusão razoável e menos gravosa, na medida em que se beneficia uma ampla gama de pessoas que se sentiram lesadas pelo ato de distribuição da obra literária”(4).

Há que se observar, por outro lado, que o direito à liberdade religiosa não é absoluto e ele poderá ser restringido quando em confronto com outros direitos fundamentais ou quando defrontar-se com a ordem pública de maneira que a comprometa, devendo-se analisar o conflito tendo por base o princípio da proporcionalidade utilizado na técnica da ponderação.

Assim, dentre as inúmeras diversidades religiosas, faz-se dever de todo ser humano a busca para si e para outrem do que se chama liberdade em todas as suas facetas, a fim de que a tolerância, o apreço e a ética sejam sempre e reciprocamente observados.

Notas:

(1) SORIANO, Aldir Guedes. O direito à liberdade religiosa. Jornal Correio Braziliense. Caderno Direito & Justiça. Brasília: 8 de novembro de 2004. p. 2.
(2) Ibid.
(3) PINHEIRO, Maria Claudia Bucchianeri. A liberdade religiosa e o direito ao uso da burca. Revista Jurídica Consulex. Ano XIII, n.º 309, 30 de novembro de 2009. p. 41.
(4) TJMG. Apelação Cível 1.0024.06.073260-9/001, 5.ª Câmara Cível. Rel.ª Dês.ª Maria Elza, DJMG 12/7/2007.

O presente artigo é fruto de estudos realizados no grupo de iniciação científica coordenado pelo autor, Prof. Luiz Gustavo de Andrade, no Unicuritiba, de temática relacionada à concretização dos direitos fundamentais, e representa parte do trabalho de conclusão de curso da também autora Jessika Torres Kaminski.

Jessika Torres Kaminski é graduanda em Direito pelo Unicuritiba. Integrante do Grupo de Estudos “Hermenêutica Constitucional e Concretização dos Direitos Fundamentais”.

Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba.