A lei não vale

Palavra do Supremo Tribunal Federal – STF, o último degrau civilizado de qualquer disputa: a Lei n.º 14.162 do Paraná não vale. Aprovada e sancionada recentemente, ela pretendia vetar o cultivo, a manipulação, a importação e a exportação, a industrialização, a comercialização e o financiamento de produtos geneticamente modificados – os transgênicos – em todo o território estadual. A decisão da suprema corte foi por unanimidade. O Paraná – como argumentavam os que se opunham à medida – invadiu uma competência exclusiva da União.

A decisão, embora não entre no mérito dos transgênicos em nível nacional (outras pendências em apreço no Supremo vão fazer isso) coloca por terra uma das lutas mais estrepitosas dos últimos tempos, travadas pelo governo do Estado. O governador Roberto Requião capitaneou, em pessoa, o cerco à soja transgênica nas fronteiras do Estado e no Porto de Paranaguá. Fim de linha. Embora considere o entendimento do STF um absurdo, Requião não tem praticamente mais nada a fazer, a não ser esperar o desenrolar dos fatos com a paciência dos derrotados.

Aliás, ele diz que tem o que fazer, sim. Que está cumprindo o seu papel e que continuará lutando e “fazendo tudo como se tudo dependesse de nós e esperando tudo como se tudo dependesse do presidente Lula”. O objetivo, lembra, “é proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do meio ambiente, além da defesa dos interesses econômicos do Estado e do mercado produtor”. Boa parte dos produtores, entretanto, prefere plantar soja transgênica. A colheita fica mais barata e, segundo órgãos de pesquisa de renome internacional, não apresenta perigo por ora visível ao estômago de nenhum humano.

A lei derrubada pelo Supremo foi proposta pela bancada do PT no Paraná. Suscitou muita discussão e debate e acabou sendo aprovada pela Assembléia Legislativa, com o vivo empenho do governador Roberto Requião, que a sancionou incontinenti, no dia 17 de outubro. Reivindicava ao Paraná o reconhecimento da condição de território livre dos transgênicos, mas o Ministério da Agricultura não atendeu os três pedidos formulados oficialmente, solicitando sempre mais documentos e informações. Mais de 260 produtores de soja do Estado, enquanto isso, pediam ao mesmo ministério a licença para plantar soja transgênica, com base na medida provisória assinada pelo vice-presidente José Alencar durante a visita que o presidente Lula fazia aos Estados Unidos, México e Cuba.

No aceso do jogo de interesses, o Ministério da Agricultura sequer liberou ao governo do Paraná a lista contendo o nome dos produtores que assinaram os termos de ajustamento de conduta para o plantio de sementes transgênicas… Isso dificultou a fiscalização que o governo local pretendia realizar com o rotineiro alarido.

A iniciativa de bater às portas do Supremo contra a lei estadual ora anulada foi do PFL, de um lado e, de outro, do governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda dos Santos – o Zeca do PT, que também não gostou da proibição paranaense. Ordem na casa. “A República ainda é federativa e não confederativa”, ressaltou o ministro Marco Aurélio de Mello, ao se pronunciar durante o julgamento.

Vencida essa fase de paixões despertadas pelo caldo mais ideológico que científico dos transgênicos, espera-se que a matéria venha a ser pacificada por uma madura e completa normativa federal. Para isso deverá contribuir, inclusive, a retirada do regime de urgência sobre o trâmite da chamada Lei de Biossegurança, que tramita no Congresso Nacional. O assunto não pode ser tratado a pontapés, mas convém que seja definido antes do próximo plantio. Aliás, antes da comercialização da próxima safra, que acontece em abril.

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