Quando esteve no Brasil, o papa Bento XVI criticou o marxismo, o capitalismo e os governos autoritários. Falou como chefe da Igreja Católica, Apostólica e Romana, mas não se despiu das responsabilidades de dirigente do Estado do Vaticano. Condenou regimes políticos, embora dissesse que a igreja deve preocupar-se com a doutrina e não com a política. Ao se referir à colonização ibérica da América Latina, afirmou que ela não se deu sacrificando os povos indígenas e suas crenças, o que pode ser aceito como interpretação das intenções dos evangelizadores, embora seja certo que empunhando a cruz muitos colonizadores esmagaram nações autóctones. Mas não parece ter sido por razões religiosas, e sim, pela disputa do poder, das terras e suas riquezas.

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O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, no seu estilo de eloqüência grosseira, exigiu de público que o papa pedisse desculpas porque teria ofendido os sul-americanos indígenas. Bento XVI, educadamente e como um verdadeiro estadista e chefe da igreja, buscou resolver tudo dando uma interpretação mais branda às suas palavras. Dois estilos, dois pesos e duas medidas. Mas ninguém ousaria dizer que não seria legítimo o papa fazer as referências que fez. Legítimas, também, as condenações aos sistemas econômicos e ideológicos. Ao fazê-las, Sua Santidade não estava interferindo em assuntos internos de nenhum país. Nem do capitalista Estados Unidos nem das ditaduras de esquerda que nascem sob inspiração e até interferência de Hugo Chávez.

Existe e é incontestável o direito de defesa de certos princípios que precisam ser caros não só ao povo de um país, mas a toda a humanidade. Assim é com os direitos humanos e o de livre expressão. Qualquer país democrático tem o direito de criticar atentados à liberdade de expressão, aconteçam onde acontecerem. E não há como silenciar diante da lei da mordaça com a qual Hugo Chávez cala as vozes que não o aplaudem na vizinha Venezuela.

Apesar do baixo conceito que entre nós goza no momento o Congresso Nacional, quando o Senado manifestou-se com um apelo pela liberdade de expressão no país de Chávez, dava eco a um sentimento da nação democrática brasileira. Chávez, como se sabe, fechou a mais tradicional e assistida emissora de televisão do seu país porque a considerava de oposição ao seu governo. E ainda ameaça a todos os que ousem contrariá-lo, tudo em nome do seu ?socialismo bolivarista?. Seria este apelo do nosso Senado uma interferência indébita em assuntos de outro país ou a defesa de direitos humanos que merecem a guarda de todos os cidadãos de bem do mundo? O princípio da não-interferência em assuntos internos de outros países não inclui o direito humano de livre expressão. O direito à livre expressão do pensamento ultrapassa fronteiras com absoluta legitimidade. O que talvez não pudesse ser tolerado seria invadir um país estrangeiro para impor nossos conceitos de inalienáveis liberdades.

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Chávez disse que os nossos parlamentares agem ?como papagaios do Congresso americano? e que o nosso parlamento ?emitiu um comunicado grosseiro que me obrigou (a ele, Chávez) a respondê-lo?. Qualificou como ?grosseira? a atitude dos parlamentares do Brasil e o fez, aí sim, com evidente grosseria.

Lula ficou em cima do muro até que em seu governo alguém o aconselhou a agir de uma forma um pouco mais dura, chamando às falas o embaixador venezuelano em Brasília. E no Congresso Nacional se cogita de levar o assunto ao parlamento do Mercosul, quem sabe à Organização dos Estados Americanos. Enquanto isto, o ditador Hugo Chávez interfere em outros países do continente buscando influir em suas eleições, nos seus governos, regimes e principalmente em suas economias. Aí, acha-se no seu direito de quem quer escancaradas as fronteiras para pregação da sua ditadura para a qual não admite fronteiras.

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