A busca pela reparação de um dano seja decorrente de um ato penal ou civil sempre foi um dos anseios e necessidades sociais. O Estado passou a tutelar com exclusividade os interesses coletivos e individuais avocando para si a função de distribuir a justiça. Com a separação das responsabilidades civil e penal diferenciaram-se os ilícitos penais dos extras penais, e o Estado se tornou o único titular do direito de punir.
Tanto o ato ilícito penal como o civil é decorrente de uma conduta humana, ação/omissão, causadora de um dano a um bem jurídico e daquele nasce o efeito civil da reparação(1) ao teor do que dispõe o Art. 91, I e II do CP.
Surge então a Ação Civil Ex Delicto(2) que objetiva efetivar a reparação dos danos causados pela conduta criminal. Diz Tourinho Filho (2000, p. 03/03) que ex delicto é a “ação que objetiva a reparação dos prejuízos causados pelo crime, isto é, ação civil originária do crime”. Assim, a sentença penal condenatória servirá de título executivo no juízo cível onde se discutirá o quantum a reparar(3).
Questão controvertida é quanto ao legitimado ativo para a propositura da Ex Delicto no que toca aos hipossuficientes(4). O Art. 63 do CPP define os legitimados à pretensão da reparação do dano como sendo o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
A representação das vítimas incapazes se dará nos moldes do Art. 8.º do CPC e na falta ou impedimento do ofendido, este será representado a título da reparação civil, pelos seus herdeiros, como a exemplo da vítima de homicídio ou aquele declarado ausente pela lei, em acordo com o que dispõe o Art. 31 do CPP.
Pois bem, o Estado tem a função de promover o bem estar de todos garantindo o acesso à justiça. É o Art. 5.º, LXXIV da Carta Magna: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos”.
O Art. 127 da CF determina que o Ministério Público é essencial às funções da justiça “incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
No mesmo sentido é a LON/MP, 8.265/93 e LC 75/93. Entretanto, referidas disposições nada fala quanto à possibilidade de defesa pelo Ministério Público de interesses privados ou disponíveis. Dispõe Oliveira (2006, p. 172) que a defesa de interesse privado pelo Ministério Público “somente se legitima a partir de uma contextualização coletiva e difusa dos interesses individuais, não sendo permitida no âmbito da tutela exclusivamente particular, como ocorre nas hipóteses do Art. 68(5) do CPP”.
O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, Art. 1.º, I estabelece que “são atividades privativas de advocacia: I: a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais”.
O Art. 134 da CF define “a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXV”.
A LC 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para a sua organização nos Estados, deixou expresso no seu Art. 1º que é incumbência da Defensoria Pública representar judicialmente os necessitados, dispondo ainda, em seu Art. 4.º, III, que patrocinar a ação civil é função da Defensoria Pública.
Ocorre que apesar de a Constituição Federal instituir a Defensoria Pública para a defesa dos hipossuficientes há críticas quanto a sua efetividade, sustentando-se que a mesma não está devidamente organizada por falta da aplicação da LC n.º 80/94.
E em virtude de falta da organização e efetivação da Defensoria Pública em alguns Estados da Federação já se tem decisões do STF e do STJ garantindo a legitimidade do Ministério Público, como substituto processual, do ofendido pobre(6).
No Estado do Paraná a Defensoria Pública é um órgão do Poder Executivo, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania. Foi instituído pela LC n.º 55/91, têm no seu quadro advogados que atuam com objetivo de “orientar, defender e proteger os direitos das pessoas que não tem condições de pagar custas processuais e honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”(7).
Entretanto, a defensoria tem sido insuficiente para atender a crescente demanda em nosso Estado conforme se manifestou Manoel Antonio de Oliveira Franco (2008), ex-presidente da OAB/PR “o artigo quinto da Constituição Federal determina que cabe ao Estado garantir atendimento jurídico às pessoas que não tem condições de pagá-lo. Além disso, a LC de 1991 criou a defensoria Pública no Estado, mas, por falta de vontade, ainda não saiu do papel de forma absoluta e estruturada. Aumenta a cada dia o número de pessoas que precisam de assistência jurídica. No entanto, sendo uma defensoria não resolvida não organizada, não regulamentada, e com poucos profissionais na há como atender a demanda. Não tendo condições de atender, a própria defensoria publica encaminha as pessoas para a OAB. A Ordem tem exercido esse papel e nos não achamos justo”.
Fernando Calmon (2008), presidente da Associação Nacional dos defensores Públicos já expôs que “a situação do Paraná é muito ruim. É uma negativa de direitos à população do Estado.
O Paraná está vivendo na contramão da história, em situação anterior à dos anos 80. Ou o Estado cumpre o que diz a Constituição, ou vai continuar vivendo em um faz-de-conta”.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em vista da não concretização da Defensoria Pública, através de concursos públicos em número suficiente para atender a demanda no Estado, e em consonância com demais tribunais, consagra a legitimidade do Ministério Público do Paraná como substituto processual para propor, em lugar do titular do direito, a ação civil visando à reparação do dano(8).
Logo, a substituição do Ministério Público como legitimado ativo à propositura da Ex Delicto vai de encontro às funções jurisdicionais de acesso à justiça. E nesse sentido em boa hora foi a criação do § único(9) do Art. 63 do CPP, pela Lei 11.719/08, tornando ainda mais célere o procedimento para ressarcimento dos danos sofridos, evitando, dessa forma, as delongas do trâmite do processo civil em razão de uma possível liquidação e execução do título executivo judicial por força de sentença penal condenatória.
Pois, certo é que o acesso à justiça não está unicamente no direito do ofendido de obter sua pretensão através da propositura da ação civil ex delicto, mas que a sentença e a própria execução sejam determinadas em tempo justo para que esta reparação seja eficaz.
Notas:
(1) Existem ilícitos de natureza civil que não produzem reflexos no campo penal. A sentença penal absolutória não produz efeitos civis, bem como se a mesma estiver devidamente fundada na comprovação da inexistência do fato, na negativa de autoria, ou na excludente de antijuridicidade, contudo neste último aspecto dever-se-á fazer uma observação quando ao estado de necessidade agressivo, legitima defesa real com aberratio ictus, excludentes putativas e ausência de reconhecimento categórico da inexistência material do fato, cf. Art. 66 do CPP.
(2) Com a prática do ato ilícito penal surge no mesmo momento duas pretensões distintas, a de natureza criminal e a de natureza cível. A ação ex delicto, poderá ser proposta no momento da ocorrência do ilícito penal, durante o trâmite da ação penal ou após. Entretanto, o juízo cível poderá suspender a ação cível até a sentença da ação penal, evitando-se decisões contrapostas. Art. 64 CPP e Arts. 265, IV, a, e § 5.º, e art. 266 do CPC.
(3) Rui Stoco (1999, p. 138).
(4) Artigo 32 do CPP: “será considerado pobre a pessoa que não puder prover as despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família”.
(5) “Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença condenatória ou a ação civil será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público”.
(6) RE 147.776-SP, STJ RESP 68257/MG; RE 1995/0030643-3, STF RE 135328/SP.
(7) Disponível em http://www.pr.gov.br/dpp/
(8) AC n.º 0207298/2 (18601), REC n.º 0292110-0/03.
(9) “Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do Art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido”. “O juiz ao proferir a sentença condenatória fixará valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.
Raul Marcos da Silva é acadêmico de Direito da Famec – Faculdade Metropolitana de Curitiba. Ana Carolina E. dos Santos é professora de Direito Penal – Famec – Faculdade Metropolitana de Curitiba.