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Poucos dias se passaram da comemoração de mais um aniversário da Proclamação da República, tal qual os outros, sem a mínima empolgação. Quiçá no imaginário popular persista uma indefinida  dor de consciência pelo tratamento dado a Dom Pedro II, Imperador que era por todos respeitado. Retornemos ao dia 15 de novembro de 1889, quando foi proclamado o novo regime político.

Naquele dia foi editada a “Proclamação do Governo Provisório”, onde se mencionava que as funções da Justiça Ordinária continuariam a ser exercidas por seus órgãos. Foi feita, por Ruy Barbosa, ministro da Fazenda e interinamente, da Justiça. No mesmo dia, baixou o Governo o Decreto 1, adotando a forma de governo federativo, sob o nome de “Estados Unidos do Brazil”.

O Decreto nada dispôs sobre o Poder Judiciário. Portanto, continuou em pleno vigor o sistema do Império, com os seus juízes ordinários, os Tribunais da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Militar.

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Menos de um ano depois, antes mesmo da nova Constituição, o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, criou a Justiça Federal, que era constituída pelo Supremo Tribunal Federal, Juízes Seccionais e Juízes Substitutos. Seguia o modelo norte-americano, inclusive para as nomeações dos magistrados (indicação do presidente da República e aprovação do Senado).

Em 24 de fevereiro de 1891 foi aprovada a primeira Constituição Federal, na qual o Poder Judiciário estava regulado nos artigos 55 a 62. No texto havia poucas referências à Justiça dos estados, porque se entendia que isto deveria ser feito nas Constituições Estaduais.

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Nesta fase, acontecimentos políticos influenciaram diretamente os tribunais Estaduais. É que na presidência do Marechal Deodoro, que procurava interferir na ação dos presidentes dos estados (assim eram chamados), foram instalados os órgãos do novo Judiciário. Todavia, Deodoro sofreu resistência dos Estados de São Paulo e Minas Gerais e acabou sendo forçado a renunciar. Foi substituído por Floriano Peixoto, que era o vice-presidente. Com isto, os tribunais foram extintos, para serem reinstalados pouco tempo depois, com novos desembargadores.

Por exemplo, na Paraíba, o Supremo Tribunal de Justiça foi instalado no dia 20 de outubro de 1891 e dissolvido dia 2 de fevereiro de 1892, por força de ordem da Junta Governativa que assumiu o governo do estado, passando os recursos ao exame da Relação de Pernambuco. Promulgada nova Constituição, aos 23 de fevereiro de 1893 instalava-se de novo a Corte da Paraíba, desta feita com o nome de Superior Tribunal de Justiça, com cinco desembargadores, quatro deles juízes de Direito e o chefe de Polícia (História do Tribunal de Justiça da Paraíba, Leitão e Nóbrega, 5ª ed., p. 126).

No Paraná instalou-se o Tribunal de Apelação em 1º de agosto de 1891, com cinco desembargadores. Em maio de 1892, foi chamado de Superior Tribunal de Justiça e seus membros receberam o título de ministros. Em 1893 foram compulsoriamente aposentados e, em 1895, o Tribunal foi reconstituído e seus membros denominados desembargadores (Amapar, capítulos de sua história, p. 70).

Enquanto isto, eram editadas constituições estaduais, estas sim delimitando a forma dos tribunais estaduais. A Constituição de Goiás criou o Superior Tribunal com apenas cinco membros, que receberam o título de juízes e foram escolhidos entre os mais antigos na carreira.

Os tribunais tinham nomes diferentes. O Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais mantiveram o nome de Tribunal da Relação. Em São Paulo e Espírito Santo, Tribunal de Justiça. Corte de Apelação, no Distrito Federal. Na Bahia, Tribunal de Apelação e Revista. Superior Tribunal de Justiça, nome mais utilizado, foi a escolha do Rio Grande do Sul, Piauí e Santa Catarina. A unificação de nomes veio só com a Carta de 1937, Tribunal de Apelação, alterado para Tribunal de Justiça na Constituição de 1946.

Na primeira instância os cargos também recebiam diferente denominação. Juiz de Direito na maioria dos estados, juiz de Comarca no Rio Grande do Sul, juiz municipal, chamados em alguns estados de juiz distrital  (por exemplo, Goiás), e juiz de Paz, regra geral eleitos.

Lenine Nequete, comentando as discrepâncias da época, ensina que “No Piauí e em Alagoas, o Tribunal Superior seria sempre ouvido quando o governador recusasse sancionar projeto de lei que entendesse inconstitucional. Na Bahia, o Tribunal de Conflitos e Administrativo tinha atribuição para conhecer, em segunda instância, das causas em que se questionasse sobre a validade ou aplicação de tratados e leis federais e quando se contestasse, outrossim, a validade das leis ou atos do governo do estado em face da Constituição ou das lei federais” (O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência, II, República, Brasília, Supremo Tribunal Federal, 2000, p. 33).

No Amazonas o STJ foi instalado com cinco Desembargadores. O curioso é que a Constituição amazonense de 1985, no artigo 72, parágrafo 3º, deu ao governador poderes para nomear advogado depois de quatro Juízes de Direito, revelando-se a semente do quinto constitucional adotado pela CF de 1934 ( O Poder Judiciário na História do Amazonas, Etelvina Garcia, p. 44).

São Paulo teve a organização judiciária regulada pela Lei 18/1891 e o seu Tribunal de Justiça tinha nove Juízes, denominados ministros, os quais passaram a 12 em 1895, com o título de desembargador (Memória e Atualidade – 1874-2007, TJSP, p. 32).

Na Bahia a Lei 15/1982, ao tratar da nomeação de Desembargadores para o Tribunal de Apelação e Revista, pressupunha concurso público, no qual eles se arguiriam reciprocamente (O Poder Judiciário do Maranhão, Cleones Cunha, p. 86). As perguntas não deveriam ser nada fáceis, pois o sucesso de um dependia do fracasso do outro.

Esboçava-se o ingresso na magistratura estadual através de concurso. O primeiro Tribunal a abrir um certame foi o STJ de Santa Catarina, em 21 de novembro de 1891. Segundo consta, o único candidato aprovado na prova escrita foi arguido por três examinadores que expuseram longamente seus conhecimentos jurídicos e, ao final, consideraram o candidato inabilitado. Como se vê, a aprovação não era fácil também naqueles tempos.

No início da República havia séria dúvida se a Justiça Estadual tinha poderes para reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei, poderes estes concedidos à Justiça Federal. Narra Lenine Nequete (op.cit., p. 24 ) que no dia 28 de março de 1896, ao abrir a sessão do Tribunal do Júri da comarca de Rio Grande (RS), o Juiz de Direito Alcides Mendonça Lima registrou que deixava de aplicar a Lei Estadual 10/1895, que dispunha sobre a recusa de jurados e sobre o voto a descoberto, por entendê-la inconstitucional.

O fato foi divulgado e provocou a ira do presidente do estado Júlio de Castilhos, que representou ao procurador-geral no dia 1º de abril, ou seja, 3 dias depois. Foi ofertada denúncia contra o juiz Mendonça Lima, por desobedecer ao cumprimento da lei. O Tribunal,  aos 18 de agosto do mesmo ano, condenou o magistrado a nove meses de prisão e suspensão do cargo.

Mendonça Lima impetrou HC no STF, através de Rui Barbosa, e a Corte, aos 10 de fevereiro de 1897, julgando Habeas Corpus que estava instruído com pareceres de Pedro Lessa, João Mendes de Almeida e outros, concedeu a ordem, reconhecendo que o acusado exerceu regularmente as suas funções. O caso ficou conhecido como “crime de hermenêutica”.

E assim foi o início da Justiça descentralizada no Brasil Republicano, cuja autonomia e independência foi conquistada, passo a passo, com luta e determinação. 

Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.