Com o indisfarçável propósito de se promover verdadeira “caça às bruxas”, vemos que se tornou rotina, nas diversas esferas da administração pública, a negação aos compromissos assumidos pelas gestões anteriores.
Utilizando-se do já batido discurso de preservação do interesse público, creditam-se os governantes, a si próprios, o poder de simplesmente inadimplir compromissos assumidos por seus antecessores, olvidando-se que os governos são provisórios, mas o Estado é permanente.
A prática já consagrada perante a administração acaba por fomentar o superfaturamento dos serviços; o conluio entre concorrentes em licitações; a corrupção do funcionalismo público, entre outros, tendo em vista que o particular vê-se obrigado a inserir no planejamento de seus custos, a possibilidade de inadimplemento da administração, ou, na melhor das hipóteses, a enorme dificuldade que terá para ver o compromisso assumido ser cumprido.
A par do evidente prejuízo social e econômico – que acaba por integrar o indesejado custo-Brasil – o descumprimento de compromissos assumidos pela administração pública configura ato ilícito, na medida que, na maioria das vezes, viola o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Com freqüência verificamos a edição de decretos dos Executivos – de natureza infralegal – que procuram regular relações constituídas antes da sua entrada em vigor, o que é sabidamente inadmissível, notadamente por se tratarem de atos jurídicos perfeitos. Outrossim, em respeito à hierarquia legal, um decreto não tem o condão de sobrepujar o direito adquirido, o qual é estabelecido como direito fundamental pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
Não bastasse o total desrespeito à norma, esta postura por parte do administrador acaba por disseminar um sentimento generalizado de insegurança jurídica perante toda a sociedade. Este fenômeno foi detectado com precisão por Geraldo Ataliba e J. A. Lima Gonçalves: “A segurança jurídica, nessa matéria, reveste-se de fundamental importância (…). É preciso que haja clima de segurança e previsibilidade acerca das decisões do governo; o empresário precisa fazer planos, estimar – com razoável margem de possibilidade de acerto – os desdobramentos próximos da conjuntura que vai cercar o empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar obstáculos e as dificuldades. Já conta com os imponderáveis no mercado. Não pode sustentar um governo que agrave – com suas surpresas e improvisações – as incertezas, normais preocupações e ônus da atividade empresarial. Isso é inconciliável com as instituições republicanas”(“Crédito-Prêmio de IPI – Direito Adquirido – Recebimento em dinheiro” in Revista do Direito Tributário n.º 55, São Paulo : Malheiros Editores, 1991. p. 169/172).
Com base na segurança jurídica que os contratos com a administração pública deveriam propiciar num Estado Democrático de Direito, o particular efetivamente elabora complexo planejamento baseado na fundada expectativa da contraprestação. Quando isso não ocorre – o que vem se verificando num crescer preocupante – resta-lhe apenas socorrer-se do Judiciário, podendo não só pleitear o adimplemento da obrigação estatal, uma vez provado o cumprimento de sua parte na avença, mas também indenização pelos prejuízos que eventualmente lhe tiverem sido causados.
E o final desta história é de conhecimento geral: quem acaba por pagar a conta não é a pessoa do administrador público que, lá no início, deu causa ao problema; somos todos nós, cidadãos-contribuintes.
Julio Brotto
é advogado.