De mansinho, sem muito alarde nem despertando muitos temores, ela voltou. A inflação tomou conta primeiro das taxas e tarifas de serviços públicos e combustíveis, entrou nos supermercados, invadiu a vida de todos outra vez. A caderneta de poupança, dormitando no leito do agonizante real, já perde feio para a inflação, que dobra a aposta de toda renda prometida pelo sistema oficial. O custo do dinheiro, nesta véspera de Natal com o brilho da estrela petista no horizonte das esperanças brasileiras, chega a 158,5% ao ano no cheque especial. Fora as taxas e tarifas. Uma loucura total.
Dizem que a Argentina está mal. Mas lá o sistema bancário ensaia pouco mais de 30% ao ano nas compras a crédito, enquanto nós aqui já chegamos aos 90%. A nossa gula bancária, admitida pelo Banco Central, tem média mensal igual à média anual dos Estados Unidos: 5,5%. Yes, nós temos juros altos, inflação idem e ainda sonhamos com o real estável prometido um dia por FHC, Ricupero, Malan, etc., etc.
Como as coisas não são claras como deveriam ser, a volta da inflação divide opiniões de especialistas. Alguns acham que a catástrofe é iminente, como analistas ligados à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas ? Fipe. Estudo mostrou que de mais de quinhentos itens pesquisados, 81% deles estão com preços majorados. Em julho, antes da eleição, dólar já nas alturas, pouco mais da metade indicava essa tendência.
Esse movimento de preços em direção às nuvens é muito preocupante, segundo um famoso consultor, “porque o passo seguinte é a reindexação dos salários”. E aí começa a ciranda outra vez: sobem salários porque sobem os preços; sobem preços porque sobem os salários. De quebra, outros (para não dizer quase todos) sobem os preços por precaução ou ganância. E assim, filme já conhecido, entrará o Brasil inteiro (incluindo poderes públicos que mais lucram com o “imposto inflação”) na ciranda da agiotagem, juros altos, da remarcação e da especulação geral. Miseráveis, pobres, remediados e assalariados, todos vítimas do mesmo dragão inflacionário.
Há quem veja nesse início de cataclismo anunciado apenas um vendaval passageiro. É fim de governo e ninguém seria doido de fazer repasse de preços e aumento de custos depois do novo governo instalado. Tudo seria uma questão de tempo. Até porque os salários perderam tanto que o poder de compra do povo já está lá embaixo. E se ninguém compra, não adianta subir o preço… Os partidários da esperança continuam tentando dissipar o medo.
Em Brasília, informa-se que um dos grandes dilemas da equipe do novo governo é com relação às metas da inflação. Por enquanto, a meta inflacionária para o ano que vem é de 4%, mais 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos (igualzinho às pesquisas de intenção de voto nas pesquisas eleitorais). Ora, diante dos fatos atuais, isso é tão irreal que lembra o gesto do avestruz na areia (enterrar a cabeça para fugir do perigo). Em vez de conceder autógrafos, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva precisa, urgentemente, passar por algum supermercado, de preferência levando FHC junto. A transição paz-e-amor está custando caro ao bolso do povo bitributado.