A inevitabilidade do estado mundial ambiental

1. Ponto de Partida

Alexander Wendt é filósofo político e professor da Universidade de Chicago. Em 2003, publicou a obra Por que o estado mundial é inevitável. Suas idéias propositivas sobre a temática permitem uma análise política aprofundada das ocorrências atuais, as quais indicam para o estabelecimento futuro do estado mundial.

O presente ensaio se propõe a enfrentar as questões respondidas pelo autor em entrevista concedida para Tiago Dias, traçando identidades, contornos e outras proposições para a temática, dentro do material teórico destacado acima.

2. Estado Mundial e ONU

Em sua entrevista, o autor procura destacar que a ONU teria uma atuação central no processo em curso, vindo posteriormente, no longo prazo, a se transformar no próprio Estado Mundial.

O problema atual em relação à ONU reside no fato de que esse fórum mundial de deliberações não tem legitimidade para interferir na gestão econômica e ecológica dos países desenvolvidos. Seu foco opinativo, restrito às questões humanitárias básicas, está muito aquém das necessárias deliberações sobre os limites do crescimento econômico mundial.

A noção de veto no Conselho de Segurança da ONU, pelas cinco maiores potências militares nucleares, porventura as maiores poluidoras, também é fato impeditivo de que essa entidade venha a se configurar no estado mundial, caso seja mantida essa estrutura.

Enquanto fórum mundial de Estados, ela também não abarca atualmente espaços para que a sociedade civil global manifeste sua presença. Desse modo, o meio empresarial, social, acadêmico e espiritual não possuem legitimidade para deliberarem sobre as temáticas, no Conselho-Geral da ONU.

Nesse sentido, para vir a se configurar, enquanto estado mundial, a ONU teria que sofrer reformulações profundas, pois a mesma não se encontra atualmente preparada para o enfrentamento das questões multifatoriais, multipessoais e multiculturais que irão surgir durante a crise ambiental global vindoura.

3. Estado mundial e União Européia

Na opinião de Wendt, a distância do estado mundial da realidade dos cidadãos, como reconhece ocorrer atualmente na União Européia, seria o preço a pagar para a criação de uma estrutura desse porte. Segundo ele, os meios de comunicação teriam um papel fundamental ao reduzir esse “défice democrático”.

Não obstante a existência desse distanciamento apresentado, a União Européia apresenta atualmente uma estrutura muita mais próxima do cidadão do que a ONU.

Evoluções dentro do contexto de convivência pacífica e organizada de tantos povos e culturas diferentes, em ambientes próximos, sem imposição militar, como ocorreu na União Européia nos últimos cinqüenta anos, representam uma novidade na história da humanidade.

A moeda única, a abolição das barreiras de trabalho, a harmonização das legislações nacionais, a Corte Européia de Direitos Humanos, estão presentes na vida dos cidadãos europeus diariamente.

Esses são dados claros e demonstram que o início da formulação do Estado Mundial perpassa muito mais pela experimentação atual da União Européia do que da ONU.

O Protocolo de Kyoto, que foi defendido pela União Européia, ou o exemplo da norma que prevê a abolição da produção de lâmpadas altamente consumidoras de energia elétrica e tantas outras medidas sócio-ambientais de defesa do meio ambiente, perante o câmbio climático, são hoje temas do Estado Mundial Ambiental em voga na Europa.

Nesse sentido, ainda há muito que se observar nas evoluções vindouras no contexto europeu, as quais estarão mais aptas a servir de modelo global de condutas universais.

4. Estado mundial capitalista?

Para Wendt, o estado mundial provavelmente conservaria a estruturação capitalista, mas sem manter sua formulação “liberal extrema”. Ele não vê a possibilidade de se pleitear um modo de organizar a produção econômica que possa ser uma alternativa viável ao sistema capitalista, cuja adesão será pacífica, gradual e global.

Não obstante se observar que ocorre essa adesão gradual de todos os países ao modo de produção capitalista, o alcance e as possibilidades de expansão do atual modelo de mercado e consumo são limitadas.

A idéia clássica de recursos naturais ilimitados, aliada à produção de externalidades abundantes aos processos de acumulação capitalista exauriu-se antes que o meio ambiente. Imaginar a incorporação de mais três bilhões de pessoas ao modelo americano de vida com geladeiras, televisores, eletrodomésticos e carros não é viável. Para Wendt, surge aí a idéia de um “capitalismo verde”, “ecoamigável”.

Portanto, essa esperada expansão do capitalismo também deverá sofrer ajustes, o próprio modo de produção e acumulação deverá sofrer ajustes, logo a noção necessária de capitalismo ambiental deverá ser aprofundada, a qual recairá também sobre nossas possibilidades ilimitadas de consumo.

5. Poder de império e estado mundial

Para Wendt um império poderia se transformar num estado mundial. Todavia, em sua análise, ao reconhecer que isso seria possível, também entende que sua duração não seria estável no tempo. Para exemplificar, ele cita o caso de Roma, a qual poderia ter avançado ainda mais suas fronteiras e se tornado um estado mundial.

Na atual realidade multipolar do mundo, mesmo a força militar norte-americana não teria forças para manter uma estrutura mundial imposta sob seu controle. Para tanto, basta verificar as dificuldades atualmente vivenciadas (ano base 2008), nas ocupações do Afeganistão e Iraque, sem falar nas ogivas nucleares apontadas aos EUA.

Nesse sentido, nas condições atuais da geopolítica não haveria espaço para um império se impor, o qual se possa atribuir a característica de Estado Mundial.

6. Estado mundial, igualdade eanarquia (auto-regulação)

Aqui Wendt chega ao cerne de sua análise, a qual tem relação com sua obra “Porque um Estado Mundial é inevitável”. Para ele, o estabelecimento de um processo de igualdade entre os povos vai requerer uma estrutura coercitiva que imponha as regras, a segurança e a paz. Desse modo, o estado mundial figuraria com o monopólio do uso da força militar. Tal estado teria a função de equilibrar as diferenças entre os povos com fins de estabelecer a igualdade. Essa estruturação deverá possuir legitimidade suficiente para que todos confiem que será mantida a igualdade: “Acredito que, de um ponto de vista realista, as pessoas nunca chegarão a um acordo sobre o reconhecimento mútuo de direitos a não ser que haja uma garantia como pano de fundo, o Estado Mundial.”

Quando Wendt trata da questão da anarquia, o faz no sentido técnico do termo, ou seja, na possibilidade da auto-regulação da sociedade, a qual não prescinde da existência de uma estrutura prévia garantidora do cumprimento das regras estabelecidas. Haveria então, dois níveis de realização: um nível estatal, no qual o Estado Mundial figuraria como garantidor da paz, segurança e cumprimento das regras entre os povos; e um nível social, no qual a auto-regulação entre os povos seria o meio de se efetivar a igualdade.

Ao se pensar no poder de auto-regulação da sociedade civil mundial, especialmente em face da temática ambiental, pode-se observar como a idéia de estado mundial ambiental já se apresenta como algo próximo. Ao exemplo de normativas como o “ISO 14.000”, muitas parcelas da sociedade civil mundial vão, aos poucos, estabelecendo, por sua autodeterminação, parâmetros de sobrevivência ecologicamente equilibrada.

7. Conclusões de viabilidade

O pensamento de Wendt permite vislumbrar que a criação do estado mundial é algo em curso, que transcende a esfera do controle dos estados nacionais atuais, por seu alcance e necessidade. Muitas de suas proposições estão adequadas ao pensamento de que será a crise ambiental algo a unir o mundo, em torno de mesma idéia. Em sua análise, ele reconhece o espaço de auto-regulação, o qual, pela autodeterminação dos povos, terá o papel central no estabelecimento das normas do estado mundial ambiental.

Sérgio Rodrigo Martinez é doutor em Direito, professor, pesquisador e organizador do “Observatório do Estado Mundial”. Atualmente realiza sua pesquisa sobre “Estado Mundial Ambiental” na Universidade Complutense de Madrid.

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