Com o advento da Lei n.º 8.078 de 11 de Setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) o consumidor tem a garantia e/ou certeza de que o produto adquirido ou o serviço prestado serão de boa qualidade.
Mencionada qualidade e/ou certeza tem respaldo no artigo 14 do CDC, in verbis:
O fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Ou seja, o fornecedor de serviços responde pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos, informações insuficientes ou inadequadas na relação entre as partes, independente de culpa, sendo que, a sua ignorância sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de sua responsabilidade (artigo 23 do CDC).
Conforme os incisos do artigo 14 do CDC, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: (i) que, tendo prestado o serviços, o defeito inexiste, e (ii) a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Ocorre que, com o advento do CDC os estabelecimentos hoteleiros, mesmo quando não tem culpa pelo defeito, informações insuficientes ou inadequadas vêm sofrendo uma enxurrada de ações indenizatórias, nas quais o consumidor, em suma, requer indenizações sobre seu dano “supostamente” causado pelos estabelecimentos hoteleiros, caracterizando-se assim uma verdadeira indústria do dano moral.
Assim, os estabelecimentos hoteleiros além de tomar todos os cuidados com os consumidores, deverão tomar cuidado com as possíveis ações judiciais.
Isto porque, ao pedir a indenização por danos morais aos estabelecimentos hoteleiros, os consumidores estão requerendo valores determinados, formulando assim pedidos juridicamente impossível, tendo em vista que inexiste critérios legais de valoração do dano moral. Mas como não existem critérios para a determinação numérica do dano moral, este será arbitrado pelo juiz.
Em relação à fixação do dano moral, a Constituição da República Federativa do Brasil garante a indenização por ofensa a moral de todo cidadão brasileiro ou estrangeiro aqui residente (artigo 5.º, caput), cujo valor regula-se no direito material, embora sem lei que o defina.
Daí porque o direito é da parte e o valor é do juízo, inclusive porque depende, nos termos da legislação civil, da natureza da conduta do ofensor (dolosa ou culposa) e outros fatores.
A indenização por dano moral depende, pois, de critérios que se verificam em instrução processual e que dependem, assim, do exercício amplo e irrestrito do contraditório.
Portanto, os consumidores não podem e não têm elementos para a determinação numérica do dano moral antes da apresentação da defesa e instrução processual, eis que a natureza da conduta dos estabelecimentos hoteleiros ditará, entre outros, o valor pecuniário do sofrimento, caso isso tenha ocorrido por culpa ou dolo de sua parte.
Assim, postular por valor certo quando a lei estipula o arbitramento da indenização por dano moral, torna o pedido dos consumidores juridicamente impossível, motivo pelo qual, com fundamento no inciso III do parágrafo único do artigo 295 do CPC, as ações indenizatórias deverão ser julgada ineptas, e consequentemente extinto o processo sem exame do mérito.
Conforme elucida José Raffaelli Santini, em sua obra Dano Moral Doutrina, Jurisprudência e Prática, Editora de Direito, 1997, fls. 43:
(…) o nosso ordenamento jurídico positivo ainda não definiu regras concretas para a fixação do valor a ser pago a título de indenização por danos morais, sendo tema dos mais árduos a sua quantificação.
Maria Helena Diniz, por sua vez, com propriedade fala da importância do juiz na fixação do “quantum” reparatório, ao ensinar:
Grande é a importância do magistrado, na reparação do dano moral, competindo, a seu prudente arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatórios e medindo as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou compensação não econômica à pecuniária sempre que possível ou se não houver riscos de novos danos. (Curso de Direito Civil Brasileiro, pág. 81).
Por outro lado, devemos sempre nos lembrar, acerca dos critérios de fixação da indenização por dano moral, do ensinamento proferido já há mais de 40 anos pelo eminente professor Wilson Melo da Silva, grande precursor do estudo da matéria em nosso país, do seguinte teor:
Para a fixação, em dinheiro, do “quantum” da indenização, o julgador haveria de atentar para o tipo médio do homem sensível da classe. (O Dano Moral e sua Reparação, Forense, 1955, pág., 423).
Por isso mesmo, a jurisprudência tem sido enfática em proclamar que:
O arbitramento do dano moral é apreciado ao inteiro arbítrio do juiz, que, não obstante, em cada caso, deve atender a repercussão econômica dele, a dor experimentada pela vítima e ao grau de dolo ou culpa do ofensor” (TJSP, Ap. 219.366-1/5, Rel. Des. Felipe Ferreira, ac. 28/12/94, RT 717/126; TJSP, Ap. 6.303-4/1, Rel. Des. Guimarães e Souza, ac. 02/04/96, RT 730/207. No mesmo sentido: 2.º TACivSP, Ap. 490.355/6, Rel. Juiz Renato Sartorelli; e Ap. 501.974-0/3, Rel. Juiz Milton Sanseverino).
Também a jurisprudência autoriza a não quantificação de valor no pedido de dano moral, por indenização. Vejamos:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Indenização – Dano moral – Protesto cambiário indevido – Procedência – Autora que arcou com descrédito econômico e conseqüente perda da confiança pública na capacidade de cumprir suas obrigações negociais – Garantia de ressarcimento expressa no art. 5.º, X da Constituição da República – Quantum arbitrável (art. 1533 do Código Civil), eis que não há critério objetivo para seu cálculo – (…). (Relator: Cezar Peluso – Apelação Cível n.º 131.663-1 – Taubaté – 16/04/91)
Pelo julgado supra, admite-se não valorar o pedido de dano moral, eis que arbitrável à ausência de critério objetivo para seu cálculo.
Concluímos assim que, eventual parcela de indenização deverá ser mensurada em consonância com os parâmetros legais, em cotejo com a real extensão dos danos alegados, conforme sejam provados no decorrer da instrução do feito, sendo que, o Juiz deve ter em mente o princípio de que o dano moral não pode ser fonte de lucro, evitando, assim, o enriquecimento ilícito dos consumidores.
Sandro Ferreira Medeiros é advogado.
