O art. 23 da Lei n.º 12.016, de 7 de agosto de 2009, repetindo o que dizia o 18 da Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951 e a Súmula 632 do Supremo Tribunal Federal, dispõe que “o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.”
Tal dispositivo, entretanto, não encontra amparo constitucional, ferindo os princípios do devido processo legal substantivo e do amplo acesso aos tribunais (art. 5.º, XXXV e LIV da Constituição Federal), pois o remédio constitucional do mandado de segurança, consagrado no inciso LXIX do referido dispositivo, é norma constitucional de eficácia plena a qual, de conseqüência, não pode sofrer limitação pela legislação infraconstitucional.

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A arbitrariedade desse prazo já vem sendo discutida desde o alvorecer do instituto.

Da obra de Castro Nunes Do Mandado de Segurança (1) se extrai:

Regulamentam-se garantias constitucionais, não, porém, para lhes cercear o exercício, senão para lhes dilatar o sentido.

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Garantias são cláusulas tutelares de direito; só se extinguindo este é que se extinguirá a garantia que o protege.

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Oportuno, portanto, o projeto de lei apresentado pelo deputado Paes Landim que revoga o mencionado art. 23, com a seguinte justificação:

O projeto de lei que ora submeto à apreciação desta Casa visa a revogar dispositivo legal que limita a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança, extinguindo o direito de requerê-lo, quando decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

Passado esse prazo, pois, ocorre a decadência do direito.

Creio, no entanto, que tal prazo é arbitrário, pois atenta contra a natureza da ação do mandado de segurança. De há muito fixado, na doutrina e na jurisprudência, o conceito de direito líquido e certo a autorizar o ajuizamento do writ (incontroversos os fatos ou provados estes documentalmente, torna-se possível o aforamento da segurança), o prazo de cento e vinte dias não tem razão de ser.

Figure-se um exemplo que demonstra a arbitrariedade desse prazo: o indivíduo pode comprovar, de plano, os fatos que dariam nascimento ao seu direito. Impetra, então, o mandado de segurança, fazendo-o no 125º dia. Reconhecendo a decadência, o juiz o remeterá às vias ordinárias onde vai-se repetir tudo o que se fez, pois nem haveria necessidade de audiência: seria caso de julgamento antecipado da lide. Tal absurdo agride o princípio da economia processual.

Note-se que, assim, acompanhamos o raciocínio do ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, ao relatar o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 21364-7, quando o instituto do Mandado de Segurança era regido pela revogada Lei n.º 1.533 de 1951:

“Nas minhas cogitações a respeito do tema, tenho pensado e refletido a respeito do prazo do art. 18 da Lei 1.533/51, e tenho verificado que ele não se assenta numa razão científica, ele simplesmente veio, através dos anos, desde a Lei 221, de 1894, art. 13, pelo gosto de copiar coisas, sem se indagar da razão de sua existência. No trabalho doutrinário que escrevi, lembrei que Amir José Finocchiaro Sarti, eminente membro do Ministério Público Federal, demonstra, proficientemente, que o citado prazo de decadência não tem razão de ser, assentando-se mais na força do hábito, que fez “com que o legislador ordinário, conscientemente ou não, deixasse de adaptar-se às mudanças do sistema constitucional que, evoluindo, tornou obsoletas e inaplicáveis as práticas do passado. (“O prazo preclusivo para a impetração do mandado de segurança”, Ajuris 25/210).

O Ministro Seabra Fagundes que, no seu preciso “Do Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário’, sustentou a legitimidade do referido prazo, já retificou a sua opinião e sustenta, agora, ser ilegítimo o prazo de caducidade do mandado de segurança. Isto pude verificar dos debates que S. Exª participou, no Instituto dos Advogados Brasileiros, após palestra que ali proferi, em 1984, a respeito do tema.”

Aliás, a propósito do tema o nobre Deputado Federal Régis Fernandes de Oliveira já escreveu que:

“dentro deste enfoque de se dar às garantias constitucionais uma nova visão, suponho que o mandado de segurança não pode ter prazo de impetração” (“Instrumentos brasileiros de defesa e participação dos administrados”, in “RT”, vol. 1 677/82-94, especialmente págs. 90/91).

No mesmo texto citado retro, o eminente Deputado acrescenta que:

“só perco o prazo de impetração do mandado de segurança na medida em que eu perca o próprio direito que quero exercer no mandado de segurança” (ob. cit., pág. 91).”
Também pela inconstitucionalidade dessa limitação se manifesta Cássio Scarpinella Bueno:

O art. 18 da Lei n.º 1.533/51 tem o intuito de limitar o exercício do mandado de segurança a determinado prazo. …

A questão que se põe, no entanto, é que a Constituição Federal não limitou temporalmente a possibilidade de exercício do mandado de segurança. Muito pelo contrário. Embora tenha fixado uns tantos pressupostos e requisitos para sua impetração, quedou-se silente quanto a seu exercício vincular-se ou poder vincular-se a um prazo certo. Mais do que isso: a Constituição, no º 1.º do art. 5.º, deixou claro que a aplicabilidade das normas que definem direitos e garantias têm aplicação imediata, têm eficácia plena, e, portanto, independem de regulamentação infraconstitucional.

Enquanto houver necessidade de “proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” …, haverá condições para a impetração do mandado de segurança. Se se passaram 120 dias dessa ilegalidade ou abuso de poder, é questão diversa. Talvez não seja caso de liminar, que pressupõe urgência, estado latente de ameaça. … Talvez não caiba mais o mandado de segurança em sua forma preventiva (CF art. 5.º, XXXV, e Lei n.º 1.5333/51, art. 1.º caput). Mas mandado de segurança para anular o ato ilegal ou abusivo, impondo um fazer ou um não fazer correlato à autoridade apontada como coatora, caberá. Indubitavelmente.”(2)

Assim, conclui-se que o legislador infraconstitucional não pode limitar uma garantia constitucional de eficácia plena, portanto o prazo decadencial previsto no citado art. 23 é arbitrário, não merecendo observância, independentemente da aprovação ou não do mencionado projeto de lei, que, no entanto, veio em boa hora, para por uma “pá de cal” sobre a questão, principalmente em face da existência da Súmula 632 do STF.

Notas:

(1) 6.ª edição, 1961, Rio São Paulo, Forense, pp. 332 e 333.
(2) BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de Segurança Comentários … 3.ª edição, pp. 182/183.

Jorge de Oliveira Vargas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná. Professor pesquisador da Universidade Tuiuti do Paraná.