É indubitável a relevância da atividade laboral para o pleno desenvolvimento do ser humano, incluindo a manutenção da sadia autoestima, constante aprendizagem e valoração positiva do trabalho em busca da felicidade, além do sustento próprio e da família. Também inquestionável é o impacto danoso de acidentes em local de trabalho, onde existe uma sensação de insegurança, e outras conseqüências psicológicas, também podendo ocasionar lesões físicas por vezes irreversíveis e mesmo fatais.

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O respeito à vida e à saúde, é mais que um direito, é princípio consagrado na Carta Magna Brasileira e em Legislações ao redor do mundo, sendo, portanto, esteio para a organização das Nações na atualidade. A manutenção de um ambiente saudável e seguro na empresa deve ser a principal meta almejada pelo empresário consciente e harmonizado com a busca pela qualidade de vida de seus colaboradores.

Um aspecto fundamental, mas nem sempre entendido no meio empresarial é o fato que a existência de um local de labor digno do ponto de vista de segurança e saúde, além de evitar os efeitos nefastos do afastamento do trabalho, bem como ações judiciais relativas à responsabilidade civil e penal, colabora sobremaneira para que o funcionário que se sinta valorizado, respeitado e como conseqüência econômica, produza mais.

Tristemente constatam-se índices alarmantes de acidentes de trabalho no Brasil, ocorrendo durante o desenvolvimento da atividade laboral ou no ambiente em que ela é desenvolvida. Em ambos os casos, mais triste ainda é a verificação de que a grande maioria poderia ser evitada. Por dia, no país, cerca de cinqüenta postos de trabalho são abandonados, por incapacidade permanente do trabalhador, ou a morte deste (dados do Ministério da Saúde).

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Os acidentes de trabalho desdobram-se em típicos e por equiparação legal, abrangendo outras hipóteses que também podem gerar perda ou diminuição da capacidade laborativa. As três causas mais freqüentes, apontadas pelo Ministério do Trabalho e pela Previdência Social são: o acidente típico, as doenças ocupacionais e o acidente de trajeto.
A definição dada pelo artigo 19 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, de acidente de trabalho, determina que “é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, causando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

Nos seguros privados consagrou-se a expressão “acidentes pessoais”, e na infortunística, a expressão utilizada é “acidente de trabalho”. Na atualidade, fala-se em acidente de trabalho com dano pessoal, e segundo Primo Brandimiller, estudioso do assunto, o acidente de trabalho constitui uma das categorias do dano pessoal.

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Na seara das doenças ocupacionais estão aquelas que têm o trabalho como causa necessária – incluindo as doenças profissionais – aquelas em que o trabalho é fator contributivo, mas não necessário; e também outras em que o trabalho pode atuar como provocador de distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida.

Nesse sentido, Vicente Marano, outro estudioso da área mostra que “a doença do trabalho seria aquela afecção que nem sempre estaria rigorosamente relacionada com o trabalho e provocada por este. Nestes casos, há necessidade de se identificar a relação entre a causa e o efeito. Poderão nestes casos, existir fatores predisponentes que nem sempre são detectados nos exames admissionais e nem sempre são provocados pelo trabalho desenvolvido pelo trabalhador”.

Nos países emergentes o índice de acidentes fatais relacionados à atividade laboral é considerado extremamente alto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao passo que nos países desenvolvidos, este, vem diminuindo, ou ao menos, encontra-se estável. Segundo dados oficiais da Previdência Social, no ano de 2006 havia 35.155.249 trabalhadores formais no Brasil, o total de acidentes foi 503.890 e ocorreram 2.717 mortes. Avalia-se que os registros atingem apenas cinqüenta por cento dos acidentes efetivamente ocorridos, tendo como um dos motivos o trabalhador que não possui registro formal e a subnotificação.

Os custos dos acidentes de trabalho são muito altos tanto para o empregado acidentado e sua família, para o empresário e sua empresa, para a Previdência Social e para o Governo como um todo, como também para a sociedade em sua generalidade. Estes custos envolvem despesas com primeiros socorros e tratamentos curativos e reabilitação, dias ou meses de afastamento do trabalho, contratação de outros funcionários a nível temporário ou permanente, materiais e todo tipo de equipamento danificado ou mesmo destruído, utilização de prêmios de seguro e da Previdência, entre outros.

A antiga codificação civil adotava a teoria subjetiva, fundada na intenção do agente, no tocante à responsabilidade civil, tendo como pressuposto a conduta ilícita (tanto a violação de um dever jurídico que se originou na lei, como de contratos), a culpa (ação ou omissão voluntária, imprudência ou negligência), nexo causal e dano.

Face ao crescimento exacerbado do número dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, aliado ao aumento de trabalhos perigosos e insuficiência de meios para a proteção das vítimas, surge a teoria do risco, embasada na responsabilidade objetiva e no princípio de equidade.

Segundo esta nova concepção, a reparação do dano independe de culpa, é necessária tão somente a ocorrência da lesão e o estabelecimento do nexo causal entre o dano e a conduta do agente. Sendo assim, a Lei não faz exigência da prova de culpa, ou a dá por presumida.

O artigo 7.´ da Constituição Federal garante o direito aos benefícios do seguro contra acidentes do trabalho sem excluir a indenização a que o empregador está obrigado a pagar tanto em caso de dolo quanto de culpa, quanto a possíveis danos materiais, morais e estéticos, desde que o fato gerador esteja enquadrado em alguma das hipóteses preconizadas pela Lei 8.213/91 como acidente de trabalho.

Uma das bases nas quais se assenta o modo de produção capitalista é o direito à propriedade e seus desdobramentos, entre eles, o princípio da liberdade de iniciativa econômica consagrado como um princípio da ordem econômica.

A conjugação dos princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade, exercidos pelas empresas, contudo, não podem atropelar a responsabilidade social, vista como uma obrigação legal e moral das empresas, envolvendo a inclusão social, a igualdade e a garantia de direitos civis, a ética, a transparência nas relações, o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida.

A professora Fabiane Bessa ensina que “a responsabilidade social diz respeito ao agir em conformidade com o direito, com a função social da empresa e com os princípios de direito privado, sempre orientados pelo princípio da boa fé. E isso em toda e qualquer etapa do negócio. As balizas da livre iniciativa e, portanto, da responsabilidade social (lembrando que liberdade e responsabilidade são duas faces da mesma moeda), encontram-se no ordenamento jurídico e variam conforme a extensão do interesse público envolvido”.

Para que sejam possíveis mudanças para melhoria da situação atual do Brasil no tocante aos acidentes de trabalho, faz-se necessária uma cooperação entre o Governo, os empregados e as empresas.

O Governo deve atuar instaurando políticas e programas nacionais, promovendo educação e conscientização. Os trabalhadores necessitam utilizar de forma adequada os materiais de proteção e reivindicar ou denunciar, se necessário, a falta destes, cumprir exemplarmente as normas de segurança, além do engajamento em programas educacionais a serem ofertados pelas empresas com o apoio estatal, com envolvimento de Governos de Estado e Prefeituras.

Aos empresários cabe a eterna busca pela qualidade de vida dos funcionários e preservação do meio ambiente de trabalho, seja com a prevenção dos acidentes e doenças laborais, treinamentos constantes visando educação e qualificação, equipamentos adequados e em perfeita manutenção, bom relacionamento e contato ativo com a ouvidoria e CIPAs (Comissão interna contra acidente de trabalho), procura de meios alternativos que causem menos riscos de acidentes e doenças e menor impacto ao meio ambiente, implantação de ginástica laboral, incentivo à prática desportiva, manutenção de exames médicos periódicos, etc.

Deve-se ressaltar aos empresários que, ao investir em prevenção, lembrando que muitas vezes a implementação das medidas preventivas pode ser bastante simples e ter um custo baixo, terão um retorno financeiro imediato, um reconhecimento por parte dos trabalhadores e da sociedade, até mesmo internacional, com exaltação da marca e da imagem da empresa no mercado e repercussão na avaliação mercantil da empresa, um retorno financeiro posterior também devido à redução de ações postulando reparação de danos e doenças profissionais.

Nessa ótica, Sebastião Geraldo de Oliveira ressalta que ao investir em prevenção é gerado um efeito sinérgico positivo, resultando em maior produtividade, menor absenteísmo e, consequentemente, mais lucratividade, concluindo que “a gestão adequada dos riscos para a preservação da saúde e integridade dos trabalhadores não se resume simplesmente ao cumprimento de normas para atender a legislação e fugir das multas trabalhistas. Vai muito além disso, representa uma moderna visão estratégica dos negócios, requisito imprescindível para a sobrevivência empresarial no longo prazo”.

A legislação vigente no Brasil, que inclui a Constituição Federal, a Lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS), e outros instrumentos e regulamentos federais orientam o desenvolvimento das ações no âmbito do setor de saúde-trabalho.

Exemplificativamente, tem-se a Lei n.º 8.213 de 24 de julho de 1991, a Lei n.º 9.032, e o Decreto n.º 3.048 de 6 de maio de 1999.

As Portarias n.º 3.120/1998 e n. 3.908/1998 do Ministério da Saúde tratam, respectivamente, da definição de procedimentos básicos para a vigilância em saúde do trabalhador e prestação de serviços nessa área.

No plano internacional, desde a década de 1970, documentos da Organização Mundial da Saúde, como a Declaração de Alma Alta e a proposição da Estratégia para Todos, colocam em tela a importância da proteção e promoção da saúde e da segurança no trabalho mediante a prevenção e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho (OMS, 1995).

O tema vem recebendo atenção especial no enfoque da promoção da saúde e na construção de ambientes saudáveis pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), organismo internacional de saúde pública dedicado à melhoria das condições de saúde dos países das Américas, atuando como escritório regional da Organização Mundial da Saúde para as Américas e fazendo parte da Organização dos Estados Americanos e da Organização das Nações Unidas.

A Convenção/OIT n.º 155/1981 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 1992, estabelece que o país signatário deve instituir e implementar uma política nacional em matéria de segurança e do meio ambiente de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho, em 2001, instituiu o dia 28 de abril como Dia Mundial pela Saúde e Segurança do Trabalho. No Brasil, a Lei n.º 11.121, de 25 de maio de 2005 instituiu o dia 28 de abril como o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.

Cabe a cada um de nós, membros de uma sociedade tão heterogênea, e ao mesmo tempo tão interdependente, tomar para si a parcela da responsabilidade em tornar o mundo melhor, procurando observar não somente o que a norma legal determina, mas também a prática constante da cidadania.

Coluna sob responsabilidade dos membros do grupode pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Liberdade de Iniciativa, Dignidade da Pessoa Humana e Proteção ao Meio Ambiente Empresarial: inclusão, sustentabilidade, função social e efetividade, liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com. Artigo revisado por Maria Estela Gomes Setti.

Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.

Cristiane Liz Baptista Ballarotte é médica cirurgiã, perita judicial e acadêmica de Direito do 9.º Período da Unicuritiba.