"O Judiciário é um homem, com idade entre 40 e 60 anos, vestido de terno escuro, de boa aparência, cabelos grisalhos. Uma pessoa de respeito, de conduta íntegra, honesta, inteligente, culta. Lê muito, ouve música clássica, ópera ou MPB. Gosta de jogar tênis ou golfe".
Pesquisa feita no início do mês de março de 2004 pelo Ibope, em quatro grandes capitais brasileiras, com pessoas de 16 a 50 anos de idade, a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros, revelou uma imagem do Judiciário sobre a qual vale a pena refletir. Se comparado o Judiciário a um animal, teve maior votação a tartaruga, porque "é lenta, calma, se esconde no casco, tem vida longa, é antiga, experiente, tem sabedoria". Comparado a uma pessoa, ainda prevalece a imagem acima, de um homem austero e respeitável. Essa imagem do juiz, de figura fina e requintada, de certo modo preservada, contrapõe-se à imagem do Judiciário, que é visto como um Poder com traços de corrupção e inoperância. Aliás, vários entrevistados disseram que o Judiciário é uma instituição poderosa e distante, fechada em si mesma e estática, antiquada, burocrática, morosa e de pouca mobilidade, de estrutura arcaica, com poucos juízes e funcionários de baixa qualidade, corporativista e detentora de muitos privilégios. A imagem geral é de que no Judiciário se deve "confiar, desconfiando". Compreensível é que os entrevistados tenham uma imagem muito boa da Justiça Eleitoral ("moderna, bem informatizada, com boa presença na mídia"), da Justiça do Trabalho ("esta sim funciona") e do Juiz de Família (onde há o pagamento das pensões alimentícias). As "Pequenas Causas" (Juizados Especiais) também são lembradas, pela agilidade nas decisões.As pessoas que responderam à pesquisa confessam saber muito pouco sobre os Três Poderes. Algumas sugerem a volta da disciplina de OSPB (Organização Social e Política do Brasil) nas escolas para que os jovens aprendam mais sobre isso. Dizem ainda, sobretudo nas classes C e D, que o papel do Judiciário está muito ligado à Polícia (função apenas de punir). Quase todos reclamam que é muito difícil falar com o juiz. Como o volume de processos é muito grande, os entrevistados acham que todos os juízes têm pessoas que lêem os processos e resumem para o juiz, que não tem tempo de ler tudo. Poucos sabem que o juiz de primeiro grau geralmente não tem nenhum auxiliar. Muitos citaram que o Judiciário é mesmo uma "caixa-preta" (como falado pelo Presidente Lula) e que só seres especiais conseguem decodificar a sua linguagem. A maioria é favorável à reforma do Judiciário porque acha que isso vai agilizar os processos. A população acha que o juiz tem salário alto, mas que isso é justificado pela sua "alta responsabilidade", pelo risco que o juiz corre, o estresse a que está submetido, os problemas de consciência pelo peso de julgar, pelo isolamento social e pela "necessidade de ter vida regrada e restrita". A impressão sobre o controle externo (Conselho Nacional de Justiça) não é sempre favorável; muitos acham que será apenas mais um "intermediário", mais uma esfera no poder, mais gastos públicos e mais possibilidades de corrupção.O que a população espera é informação clara e transparente, nas escolas e televisão, sobre o que é e o que faz o juiz, desconhecido especialmente das classes C e D, que são exatamente aquelas que lêem pouco jornal, não tem acesso à TV Justiça ou a outras fontes de informação. Vários entrevistados acham que o Judiciário é o responsável pelo mau funcionamento das polícias e pela desatualização das leis. Experiências pessoais ou de familiares que precisaram da Justiça e foram mal-atendidos ou tiveram insucesso nas ações impetradas comprometem a imagem dos cartórios ou do juiz. Impunidade, desigualdade no tratamento das pessoas (com favorecimento de ricos e poderosos) e corporativismo são itens citados que influem negativamente na confiança da população. Por outro lado, a pesquisa revelou que o Judiciário, comparado com outras categorias profissionais sugeridas, é sempre considerada a menos corrupta, especialmente porque muitos dizem "se não confiar no Judiciário, então vai se confiar em quem?". A pesquisa feita pelo Ibope revelou, porém, um aspecto positivo. Muitos ficaram felizes por ver que o Judiciário está se preocupando com a opinião das pessoas. Elogiaram a iniciativa da pesquisa e disseram que é preciso fazer campanhas na mídia para que as pessoas possam ser esclarecidas sobre o que é realmente o Poder Judiciário. Fica, num exame geral, a constatação da necessidade premente de as escolas da magistratura, os tribunais e as associações de magistrados se preocuparem mais com a tarefa de esclarecer a população, por todos os meios possíveis, do que é e o que faz o juiz. O programa "Justiça para todos", produzido pela Amapar e levado ao ar diariamente pela Rádio Educativa, é um bom exemplo de como se pode chegar às mais diversas camadas da população.
Walter Ceneviva, do alto de sua experiência de mais de cinquenta anos de advocacia e magistério em São Paulo, sustenta que a verdadeira reforma do Judiciário deve começar pela melhoria do serviço nas pequenas comarcas, pelo atendimento ao público, pela melhor estrutura do primeiro grau, pelo controle da produtividade, pelo aperfeiçoamento da estrutura operacional dos juízes, em resumo, pela qualidade do serviço prestado ao cidadão, que é o consumidor desse produto tão importante chamado "justiça".
Alie-se a isso a necessária reforma das leis processuais, para diminuir o número de recursos e poderemos enfrentar a conhecida morosidade, que é o calcanhar de Aquiles da Justiça, tanto que compara a uma tartaruga. Se não for assim, o juiz continuará trabalhando muito e o Poder Judiciário não se livrará da imagem negativa junto à população, que acha – como vimos – que ele deixa muito a desejar.
Noeval de Quadros é juiz do Tribunal de Alçada e diretor da Escola da Magistratura do Paraná.