A igreja e os brasileiros

A visita do papa Bento XVI ao Brasil é elevada honra para o País e uma graça para os católicos que aqui são maioria. Para a Igreja Católica, a médio e longo prazos, os poucos dias de permanência do seu chefe no maior país católico do mundo pode significar uma oportunidade rara de reflexão e a oportunidade de plantar atualizações doutrinárias que venham a promover um reencontro da grande religião cristã com seu imenso, mas cada vez menor, rebanho. É de se levar em conta que o papa é o ex-cardeal alemão Joseph Ratzinger. Ele ocupou o cargo de prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé, guardiã da doutrina, dos costumes e, por isso mesmo, das linhas mais conservadoras da igreja. O seu antecessor, João Paulo II, foi um dos papas de maior carisma que a igreja já teve. Tão carismático que por vezes fez esquecerem o seu conservadorismo sustentado pela congregação presidida por aquele que viria a ser o seu sucessor.

A redução do número de católicos no Brasil, na América Latina e em todo o mundo é atribuída a um descompasso entre a igreja e a modernidade. Temas atualíssimos, objetivos e incontestáveis precisam ser debatidos pela igreja para se buscar sintonia entre o que prega e exige a religião e o que demanda a vida moderna. Há casos flagrantes de desobediência em nome do progresso. Um exemplo é o debate sobre o uso das células-tronco em pesquisas e futuros tratamentos de graves doenças que acometem os mortais. A proibição de um segundo casamento para os católicos, depois de um divórcio, vedado até o recebimento de sacramentos, cria um choque com milhares, milhões de católicos que, atendendo a uma solução já aceita pelos costumes, leva ao desfazimento de um casamento que não deu certo e a outra união, que muitas vezes é bem-sucedida e só termina quando a morte separa o novo casal. A imprensa brasileira revelou, às vésperas da visita do papa, o caso de um velho casal, já com filhos adultos, em que um dos cônjuges fora divorciado. O par, muito católico, continuou praticante da religião e tem um filho seminarista. Mas comparece às cerimônias religiosas constrangido por constituírem um concubinato e estarem proibidos de tomar a comunhão, sacramento dos mais importantes tanto para a igreja quanto para seus fiéis.

Outro desencontro entre a igreja e os problemas atuais é o combate às doenças venéreas e à aids. Médicos, estudiosos e autoridades recomendam o uso da camisinha como preservativo para evitar tais doenças. A igreja insiste na abstinência sexual como meio de evitá-las. Não se trata de dar razão a uma ou outra posição, mas de se aquilatar o comportamento predominante da sociedade. A camisinha é até distribuída por governos de países católicos, inclusive o do Brasil, e não se pode ignorar que mudanças no comportamento da juventude – irreversíveis – fizeram do sexo antes do casamento uma prática quase que generalizada. E, no seio da juventude, não há mais sequer o sentimento de culpa que indicaria a prática de um pecado.

O celibato clerical, a proibição do sacerdócio para as mulheres e o envolvimento da igreja com lutas sociais, como as que são defendidas pela Teoria da Libertação, são assuntos em efervescência, embora a religião católica dogmaticamente mantenha-se em posição conservadora. São tantos os desencontros que explicam a redução do número de católicos ou pelo menos explicam o esfriamento do seu fervor. Há que se pensar se o mais importante é uma igreja com mais fiéis ou uma igreja com fiéis mais devotos e obedientes às normas vigentes. De qualquer forma, é certo que a modernização da Igreja Católica, sem dobrar-se a reivindicações que são de fato abusivas, mas rejeitando uma posição reacionária, serão temas que poderão provocar mais profundas reflexões, depois da honrosa visita do papa Bento XVI ao seu mais numeroso rebanho.

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