A identidade física do juiz e o processo do trabalho

1. Introdução

O Excelso STF aprovou, em 13.12.63, a Súmula n.º 222, reputando inaplicável o princípio da identidade física do juiz às Juntas de Conciliação e Julgamento. Teve sustentação no art. 120 do CPC de 1939, e no art. 8.º, parágrafo único, da CLT, e, ainda, nos seguintes julgados: Ag. 24.516, DJ 25.06.62; Ag. 25.529, RTJ 20/135; Ag. 30.492, DJ 07.05.64.

O C. TST adotou idêntica diretriz, através da Súmula n.º 136, em 1982.

Contudo, nos processos trabalhistas instruídos e julgados perante a Justiça Federal, considerou o extinto Tribunal Federal de Recursos (hoje transformado no Superior Tribunal de Justiça), aplicável o princípio da identidade física do juiz, pela Súmula n.º 217.

2. A razão do novo debate

Enquanto a Justiça do Trabalho era composta pela representação classista esse tema não mereceu maiores discussões, em face, até, das Súmulas do STF e do TST, que consolidaram os entendimentos das mais altas Cortes do País.

Voltou à tona a controvérsia a partir da Emenda Constitucional n.º 24, de 09.12.99, DOU de 10.12.99, que extinguiu a representação classista no Brasil (nas Juntas, nos TRTs e no TST), apenas assegurando o cumprimento dos mandatos em andamento (art. 2.º).

Agora, pelo texto constitucional, não existem mais Juntas de Conciliação e Julgamento, substituídas que foram por Varas Trabalhistas. Assim, conforme o art. 116 da Constituição Federal, “nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular” (Redação dada pela EC 24/99, DOU 10.12.99).

Persistiria, ainda, a exclusão do princípio da identidade física no primeiro grau da Justiça do Trabalho, mesmo com o fim da representação paritária?

3. O significado da identidade física do juiz

O art. 132 do vigente CPC disciplina, no caput: “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor” (Redação dada pela lei n.º 8.637/93).

O parágrafo único desse dispositivo acresce: “Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas” (acrescentado pela Lei n.º 8.637/93).

Assinala Antônio DallAgnol: “Entre o gama de (sub) princípios que compõe o da oralidade – com o qual o legislador processual brasileiro, desde o Código anterior, pretende sério compromisso – está justamente o da identidade física do juiz, a significar, modo singelo, a imposição de que julgue a causa aquele que tenha presidido a instrução”(1).

4. A celeuma na Justiça do Trabalho

Apesar de já terem transcorrido três anos, e nos aproximarmos do final do quarto, após a EC 24/99, que extinguiu a representação classista, com todas as Juntas de Conciliação e Julgamento do País transformadas em Varas Trabalhistas, persiste a discussão.

Não obstante todos os obstáculos e dificuldades, é preciso enfrentar o problema e decidir, de forma objetiva, pela aplicabilidade, ou não, do princípio da identidade física do juiz no primeiro grau trabalhista.

4. 1. A corrente positiva – aplica a identidade física

Em comentários à Súmula n.º 136 do C. TST, Francisco Antonio de Oliveira registra que: “Com o advento da EC 24/99, extinguindo a representação classista, é aplicável o princípio da identidade física do juiz”(2).

Também se manifestam no sentido que as circunstâncias mudaram a partir da aprovação da EC 24/99: Raymundo Antonio Carneiro Pinto(3), Telmo Joaquim Nunes, em artigo sob o título “O princípio da identidade física do juiz após a EC n.º 24(4), Ligia Maria Teixeira Gouvêa e Ana Paula Volpato Wronsk(5), bem como o advogado Lineu Miguel Gomes, em seu artigo “Identidade física do Juiz do Trabalho – Princípio que vigora”(6).

Mas, apesar dessas ponderações, existem autores ainda defendendo a inaplicação do princípio da identidade física do juiz no primeiro grau trabalhista.

4. 2. A corrente negativa – não aplica a identidade física

Sergio Pinto Martins é um dos autores que defende a manutenção do sistema antigo, para não se aplicar o princípio à Justiça do Trabalho, e fundamenta assim: “Com a extinção dos classistas, entendo que não vige no processo do trabalho o princípio da identidade física do juiz. Essa regra vale para os juízes que ficam fixos nas Varas, como no Cível, em que há o juiz auxiliar. No processo do trabalho, isso não ocorre”(7).

Ressalta o Juiz do TRT da 8.ª Região, e Professor, Vicente José Malheiros da Fonseca não se aplicar o princípio da identidade física do juiz às Varas do Trabalho, embora juízos monocráticos, em face da existência de outros dois princípios, da economia e da celeridade processual, que mais se caracterizam no processo do trabalho, em qualquer grau de jurisdição, à luz do art. 765 da CL(8).

Não se localizaram outros autores a defender a manutenção da Súmula n.º 136 do C. TST, que diz ser inaplicável no primeiro grau trabalhista o princípio da identidade física do juiz.

5. A situação perante o TRT da 9.ª Região

Não se adotou, ainda, perante o E. TRT da 9.ª Região, nenhuma vinculação do magistrado instrutor com o julgamento da causa, em primeiro grau.

Em face de argüição de nulidade, no entanto, ocorrida no RO 1.012/03, a E. 2.ª Turma suscitou o Incidente de Uniformização de Jurisprudência previsto no art. 55, inciso X, do Regimento Interno, pelo qual compete ao Relator: “ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre turmas do tribunal, propor seja o recurso julgado pelo Egrégio Tribunal Pleno, que, reconhecendo o interesse público na assunção de competência poderá fazê-lo”.

Será a primeira vez que o E. TRT Pleno da 9.ª Região examinará a aplicabilidade desse novo dispositivo regimental, que se inspirou no § 1.º do art. 555 do CPC.

6. Ponderações sobre a aplicabilidade

O Professor José Augusto Rodrigues Pinto, no seu “Processo Trabalhista de Conhecimento” examina as vantagens e desvantagens oferecidas pela aceitação de uma ou outra das técnicas, para poder o intérprete ou o legislador trabalhista fazer a escolha definitiva, salientando relativamente à não-identidade: “traz consigo a rapidez da tramitação do processo, pois não vincula o julgamento ao juiz que iniciou a instrução. Mas desfavorece a segurança da sentença, pois é notória a maior firmeza do convencimento do magistrado que colheu a prova e conviveu com suas fontes.

Assevera que em relação à identidade, precisamente o oposto, que lhe parece haver um grau de equilíbrio entre os fatores negativos e positivos, apontando como a solução ideal imaginada aquela que “estabelecesse a identidade em relação ao juiz que encerrar a instrução, ainda que não a tenha iniciado” (ob. e p. cit.).

No site da Anamatra, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em julho de 2003, encontrava-se, relativamente à Súmula n.º 136, a seguinte proposição encaminhada ao C. TST: “1. Com o fim da representação classista no âmbito da Justiça do Trabalho resta insubsistente o raciocínio sobre o qual foi construído o Enunciado 136 do TST. Desta forma, necessária a reanálise da matéria, no sentido de ser aferida a existência da identidade física do juiz no âmbito na Justiça do Trabalho. 2. Alterar redação, substituindo-se os antigos órgãos, Juntas de Conciliação e Julgamento pelos `Juízes do Trabalho`”.

7. Conclusão

O C. TST durante o mês de agosto deverá se manifestar claramente sobre a persistência ou não da Súmula n.º 136, quando a polêmica poderá perder a razão de ser, definida a incidência ou não, perante as Varas Trabalhistas, do princípio da identidade física do juiz.

NOTAS

(1) DALLAGNOL, Antônio. Comentários ao Código de Processo Civil: do processo de conhecimento, arts. 102 a 242. São Paulo: RT, 2000. v. 2. p. 143.

(2) OLIVEIRA, Franciso Antonio de. Comentários aos Enunciados do TST. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 367.

(3) PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Enunciados do TST Comentados. 6. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 132-133.

(4) NUNES, Telmo Joaquim. O princípio da identidade física do juiz após a EC n.º 24. Revista do TRT 12.ª Região. Santa Catarina. v. 9 julho-dezembro/2000. p. 27/30.

(5) GOUVÊA, Ligia Maria Teixeira e WRONSKI, Ana Paula Volpato. O princípio da identidade física do juiz no processo do trabalho – revivendo um velho mote. Revista LTr. n.º 65. São Paulo: LTr, 2001. p. 775-781.

(6) GOMES, Lineu Miguel. Identidade física do Juiz do Trabalho – Princípio que vigora. Suplemento Trabalhista LTr n.º 119. São Paulo: LTr, 2000. p. 671.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 330.

(7) FONSECA, Vicente José Malheiros da. Princípio da não identidade física do juiz e exceção de suspeição (procedimento nas Varas do Trabalho). Revista LTr. vol. 66. n.º 02. São Paulo: LTr, fevereiro de 2002. p. 167.

(8) Ob. e p. cit.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz do TRT da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

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