A sociedade contemporânea tem se caracterizado por um conjunto de acontecimentos que estão induzindo o desenho de uma nova realidade social, resultado de fenômenos econômicos, políticos, culturais, que discutem mecanismos clássicos do direito, exigindo, por isso, dos operadores e pesquisadores da área jurídica, respostas eficazes para a configuração da complexibilização desses fatores.
Alguns fatores dessa mudança de perspectiva estão diretamente relacionados à edificação dos Direitos Humanos como princípio orientador da preocupação maior do sistema jurídico e que tem no Estado o maior garantidor de sua eficácia; a internacionalização voraz da economia que subtrai de tudo um valor econômico suscetível de comercialização e de apropriação; o avanço das descobertas científicas e tecnológicas que induzem o surgimento de novos temas que passam a ser objeto de discussão da comunidade acadêmica para sua configuração.
Especialmente no campo da ciência, não se nega a importância que possuem as descobertas científicas para os últimos anos, mas ao mesmo tempo, esse conjunto de avanços e sua rapidez tem feito com que sejam colocados à mercê do capital e desprezados valores, sem que se faça uma reflexão sobre essa questão.
Neste sentido, podem ser citados temas que têm merecido uma atenção especial como o biodireito, reprodução assistida, a clonagem de seres humanos para fins terapêuticos, e a reflexão dessa corrida científica frente à voracidade do capital, da especulação econômica incidindo na Biopirataria de espécies vegetais, animais, clonagem e até mesmo a apropriação do material genético humano.
Os debates que contemporaneamente surgem e vão tomando forma quanto à delimitação normativa desse campo do conhecimento, não podem desprezar que ele essencialmente deve ser permeado pelo estabelecimento de limites éticos e especialmente sob a perspectiva de se estar manipulando a vida humana, do respeito aos Direitos Humanos.
A dignidade da pessoa humana não vem a ser uma criação jurídica, do direito público ou privado, mas um valor que transcende a toda a experiência do Direito, e, tendo em vista todos os avanços da tecnologia científica, se vê ameaçada pela voracidade em busca de lucros das empresas, falando-se até mesmo em Biopirataria de ?DNA? humano.
Nesse sentido, cabe aqui destacar os ensinamentos de Bruno Jorge Hammer: ?O progresso técnico trouxe perspectivas grandiosas a progredir sem nos libertar dos desafios que as acompanham. Somos chamados a progredir e a desenvolver soluções?.(HAMMES, Bruno Jorge. O direito de propriedade intelectual. 3.ª ed. Porto Alegre: Umisinos, 2002.p. 29.)
É visível a atualidade do tema e sua grande importância, devendo-se considerar principalmente a contraposição entre a exploração econômica da vida humana e os limites éticos que devem ser pautados pelos direitos humanos. A humanidade deve ter consciência de que está diante de uma ameaça real, em que atividades de manipulação da vida se desenvolvam ao sabor exclusivo dos interesses apenas individuais, sem atenção aos interesses coletivos, e sociais, e da própria espécie humana.
Existem valores que naturalmente estão acima de qualquer tipo de propriedade normativa invocada pelo homem em foros econômicos internacionais como a OMC, que por dizerem respeito à raça humana e à própria condição de sobrevivência da espécie, devem ser respeitados.
Neste contexto, tem-se um cenário desalentador, sendo possível citar entre os casos o da comercialização do sangue, a pesquisa realizada em 22 pacientes judeus idosos que recebiam células cancerígenas no fígado, e os diversos casos referentes à biopirataria do corpo humano, que acaba por transformar o corpo humano em um propicio mercado.
Ao se estudar a Bioética direciona-se a conduta humana no âmbito das ciências da vida, envolvendo também as ciências médicas, da mesma forma compreendem-se situações que podem ocorrer nas relações entre paciente e médico, pesquisador e pesquisado, Estado e cidadão; os desdobramentos sociais das investigações biomédicas e do comportamento daqueles que se encontram inseridos em atividades terapêuticas, englobando ainda as questões relacionadas à vida em sentido mais amplo. No entanto, percebe-se que as situações da Bioética ainda causam grandes divergências, podendo-se afirmar que um dos verdadeiros motivos volta-se ao campo da moral, pois atualmente vive-se em um mundo em que os valores morais não mais encontram ressonância no campo das relações humanas.
Vanessa Iacomini é professora de Biodireito e Direitos Humanos. e-mail: vanessa1412@gmail.com
