A hora e a vez de contar histórias: um resgate cultural

Atenção! Senhores ouvintes. Mais uma história vai ser contada: Parem e ouçam: “Em certo lugar…”; “..havia uma pequena vila…”; “Eram três irmãos…”; “Naquela noite tenebrosa de tempestade, próximo ao cemitério…”; “Carmen era um linda moça, uma santa…”. Os ouvintes perplexos aos gestos do narrador detêm-se, procuram acomodação em qualquer lugar da varanda. Noite amena. Lua cheia, de quaresma. Cenário ideal para contar e ouvir histórias.

O hábito de contar histórias tem como precursor o grego Heródoto, o qual, segundo consta, tinha o hábito de fazer relatos públicos em Atenas por volta de 445 a.C. Além de ter sido o primeiro historiador, Heródoto é reconhecido como grande narrador dos feitos gregos. Há também, na ficção, Ulisses, da Odisséia e Riobaldo de Grandes Sertões-Veredas ou mesmo Sherazade das Mil e Uma Noites, personagens literários que carregam a vocação de contadores de causos.

E é sobre as histórias não escritas contadas de pai para filho o livro Oralidade e Literatura- manifestações e abordagens no Brasil, que tem o professor Frederico Augusto Garcia Fernandes, doutor em Letras e professor do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Londrina, como organizador.

Publicado pela Editora daquela Instituição-Eduel, o livro reúne nove artigos de pesquisadores de várias universidades e, de acordo com o organizador, “o profissional que quiser fazer um estudo sobre oralidade irá se deparar com diferentes metodologias e manifestações ao seu redor. Assim, o que norteou a organização deste livro foi a abordagem de algumas destas manifestações, apresentando trabalhos de grupos de pesquisadores em cinco regiões geográficas do Brasil”. São eles: “Os Guarani Mbyá e a Oralidade Discursiva do Mito” de Luiz Carlos Borges; “Imagens de Matinta Perera em Contexto Amazônico” de Josebel Akel Fares; “Oralidade no Pantanal: vozes e saberes na pesquisa de campo” de Eudes Fernando Leite e Frederico Augusto Garcia Fernandes; “Literato em terra de antropólogo” de Sergio Paulo Adolfo; “A Cultura Popular em uma Perspectiva Empenhada de Análise” de Maria Ignez Novais Ayala; “Uma literatura oral pós-moderna nas letras de blocos afro do carnaval baiano” de Piers Armstrong; “De malocas e vagabundos: Adoniram Barbosa e a imagem paulistana” de Maurício Martins do Carmo; “Lembranças de meu sertão: memórias caipiras através de canções” de Maria de Fátima da Cunha; “A obra As Mil e Uma Noites na literatura oral brasileira” Neuza Neif Nabhan.

Reiterando a relevância deste livro, faz-se oportuno ressaltar que a Folha de São Paulo publicou em seu caderno Sinapse do dia 30/09/2003, matéria referente a importância do ato de contar histórias para crianças já que “elas propiciam à criança um contato com outras realidades, culturas, experiências e visões de mundo […] são, além de tudo a porta de entrada para o mundo das letras e dos livros”.

Em seu sentido etimológico, oralidade quer dizer “qualidade, estado ou condição do que é oral; caráter ou condição de línguas ou povos ágrafos” e, complementando, ágrafo vem a ser “que não representa sinais gráficos, língua que não tem escrita, povo ou cultura que não tem registro”. Ou seja, não existe registro gráfico, mas sim aquele feito pela voz. Esta é a direção seguida pelo trabalho em destaque o qual salienta que na área das Letras, principalmente da literatura, “as relações entre oralidade e gêneros literários vêm se consolidando, seja devido à divulgação do poema em forma de canção, prática tropicalista que se mantém até hoje, e mais recentemente à poesia sonora com presença na produção poética brasileira contemporânea e em razão dos estudos bakhtinianos que perscrutam e interpretam a voz”.

Ao final, este livro traz consigo uma ampla reflexão sobre a diversidade cultural brasileira espalhada por estes sertões. Revelando as mais antigas tradições arraigadas ao hábito de cantar e contar histórias. Aspectos estes corriqueiros a primeira vista, mas dignos dos mais interessantes estudos como demonstra o resultado deste trabalho.

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