Renata C. Carvalho Voltolini

A função social da empresa e a prevenção do assédio moral no ambiente laboral

O assédio moral é um tema de notável relevância jurídica, haja vista tratar-se de um fenômeno marcadamente presente na sociedade, podendo desenrolar sua trama nos meios escolar (nesse caso, mais conhecido como bullyng), familiar e, sobretudo, no âmbito das relações trabalhistas.

Também denominado mobbing, o assédio moral consiste em grave afronta aos direitos fundamentais, especialmente à dignidade do trabalhador coagido. Podendo partir tanto de superiores, quanto de agressor ocupante de degrau hierárquico indêntico ou inferior ao da vítima, os atos de assédio podem manifestar-se através de gestos, palavras, escritos ou qualquer conduta abusiva e humilhante que possa trazer danos à personalidade, à dignidade, ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, colocando em risco seu emprego e degradando o ambiente de trabalho.

Convém acrescentar, por fim, que a reiteração sistemática do tratamento constrangedor é elemento essencial para a configuração do fenômeno, nesse aspecto residindo importante traço distintivo entre o assédio moral e determinadas agressões pontuais que, embora reprováveis, não devem ser confundidas com o acosso psíquico, sob o risco de ensejar denúncias infundadas.

O fenômeno tem se revelado de maneira acentuada no cenário empresarial, notadamente em virtude dos arranjos mercadológicos típicos da economia globalizada que, como é notório, tem gerado um clima de crescente instabilidade no emprego, marcado pela alta competitividade e disponibilidade de mão-de-obra.

Hodiernamente, a prevenção é a palavra-chave quando se alude aos direitos de personalidade, mormente porque se tem em mira direitos que, uma vez infringidos, nem sempre encontrarão a reparação adequada ou suficiente, não restando alternativa à vítima senão a via da reparação pecuniária (indenização).

Daí se depreende que a responsabilidade civil, quando direcionada à tutela de direitos personalíssimos, apenas tem lugar quando não puder ser evitada a consumação do dano à vítima.

Isso porque, segundo Szaniawski (2005, p.254), “no tocante aos danos morais, sua reparação possui natureza dúplice, preventiva e sancionadora, não se buscando atribuir preço à vida ou ao afeto, mas oferecer uma contraprestação à vítima ou a seus familiares, pela dor injustamente infligida”, concluindo o autor que a reparação indenizatória “consiste em se atenuar o sofrimento, em eliminar os efeitos da lesão, e não o dano, porque uma vez perpetrado será impossível sua reversão”.

Nesse contexto, impõe-se a responsabilidade inafastável do empreendedor em adotar medidas preventivas, vocacionadas à preservação da salubridade no ambiente laboral.

Do setor privado, espera-se o engajamento dos gestores empresariais na implantação de artifícios preventivos, destinados a tolher a violência psíquica das relações interpessoais que se desenvolvem em seu ambiente produtivo.

Nessa esteira, contempla-se a adoção de um programa de Responsabilidade Comportamental, paralelamente aos programas de responsabilidade social e ambiental geralmente incorporados à praxe empresarial.

A implantação de um programa de responsabilidade comportamental implica rigor na condução dos episódios de assédio, sem descuidar do propósito educativo que deve ser exercitado por meio do oferecimento de cursos e cartilhas informativas destinados ao esclarecimento de todos os integrantes do corpo empresarial, da mais alta hierarquia ao “chão da fábrica”.

Somente desse modo a empresa cumpre a sua função social, nos moldes esculpidos pela Constituição Federal, em seu artigo 170, caput, promovendo a dignificação do trabalho e beneficiando, outrossim, a própria imagem institucional.

Ensina Parreira (2007, p.36) que “nenhuma empresa ou instituição está imune ao assédio moral”, sendo certo que a maior incidência do fenômeno se verifica em empresas onde grassa a impunidade e nas quais os funcionários não sabem exatamente quais regras seguir”.

Para Hirigoyen (2009, p.2000), a prevenção consiste em reintroduzir o diálogo e uma comunicação verdadeira”, vislumbrando a autora, ademais, a criação de ouvidorias nas quais seja oportunizada a exposição dos casos, garantido o sigilo da denúncia e, a partir de então, conduzido o processo de apuração e punição ao responsável, sempre proporcional ao dano causado.

Parreira (2007, p.117) sugere a materialização do “credo” da empresa numa espécie de Estatuto ou “Código de Normas e Ética”, divulgando com clareza o espírito de repúdio da empresa ao assédio moral, de modo a reforçar a autoridade da administração e determinar a diretriz a ser seguida por todo o quadro de pessoal, arrematando o autor que a eficiência de uma empresa no combate a este mal se mede pelo seu nível de organização.

Para tanto, a admissão de pessoal há que ser criteriosa, sem jamais deixar de levar em consideração o fator humano, numa avaliação conjunta da qualidade profissional e do perfil de relacionamento do candidato.

Pelo exposto, se infere que a atividade econômica, sob a égide do Estado Democrático de Direito, há que ser exercida nos lindes da dignidade da pessoa humana.

Não foi por outra razão que a Magna Carta, ao elencar os fundamentos da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1.º, IV, aproximou dois valores que, comumente, são considerados antagônicos, mas que, em verdade, exigem uma “dialogicidade” constante: os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Renata C. Carvalho Voltolini é advogada integrante da Takahashi Advogados Associados de Cornélio Procópio/PR. Graduada pela Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) – Campus de Jacarezinho/PR.

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