Falando em Ouro Preto, no dia de Tiradentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fugiu dos chavões que seriam próprios da data: de independência da pátria contra as intromissões externas ou da rememoração de fatos históricos.
Desta vez, o chefe da nação resolveu falar na globalização, em cujo processo considera a questão social a grande fronteira a ser defendida. Para entender a filosofia do novo governo brasileiro sobre o assunto, é preciso, antes de mais nada, saber o que considera globalização, se a aceita como fato inescapável e o que é defender, nesse processo, a questão social.
No governo FHC já se vinha falando na inevitabilidade da globalização, entendida como o comércio de informações, fluxos de capitais, de bens e serviços e até mesmo de culturas entre os povos da aldeia global. Entendia-se que os países desenvolvidos, detentores de capitais e tecnologia avançadas e os organismos financeiros multinacionais e internacionais, voltados aos financiamentos abertos aos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, deveriam introduzir na globalização contingenciamentos capazes de minorar os problemas sociais da parte menos aquinhoada da sociedade das nações. Um empréstimo a um país em desenvolvimento ou subdesenvolvido, por exemplo, precisa levar em consideração as peculiaridades do receptor. Se é pobre, não poderá responder a fórmulas ditadas para os países ricos e terá necessidades que alteram a relação custo-benefício.
Apenas para exemplificar, no Brasil de hoje se prega muito a concessão de benefícios tributários para as empresas que gerarem mais empregos. É o típico contingenciamento que defende os interesses sociais. O FMI, principalmente, e em seu rastro outros organismos internacionais e países desenvolvidos, sempre seguiram fórmulas rigorosas, de irretorquível lógica econômico-financeira, mas que não levam em conta a questão social. É o caso da Argentina dos dias atuais, de quem exigiram o que ela não tem e desconsideravam a fome que grassa no país vizinho.
O Brasil, de tanto potencial de desenvolvimento, apresenta aguda situação social, a começar pela falta de moradias, pela fome e pelo desemprego. É preciso que, no processo de globalização, tudo isso seja levado em consideração, pois de nada nos vale promoverem o nosso desenvolvimento medido em termos brutos, se mantiverem ou até agravarem os problemas de ordem social. Mais que potência econômica, queremos ser, no mundo global, um país de justiça social. De outra forma, a globalização nos penaliza e até pode agravar nossa situação social.
É preciso, como defendeu FHC e agora defende Lula, mudar os conceitos de organismos internacionais para que não exijam de países como o Brasil o que não podemos oferecer e não nos ofereçam o que não contribui para a solução de nossas desigualdades sociais. O mesmo é preciso defender junto aos países desenvolvidos, pois são legítimos os seus objetivos de ganhos, desde que nos tratem adequadamente, não agravando nossos problemas sociais, respeitando nossa independência e permitindo nossa relativa competitividade, não sobretaxando nossos produtos. Lula talvez não tenha sido feliz ao falar em questão social como “a grande fronteira a ser defendida”. A questão social não é uma fronteira a ser defendida, mas sim um pleito a ser apresentado ao mundo globalizado, exigindo-se que nele se insira como condição “sine qua non” para que sejamos partícipes produtivos e não um país de explorados.