A CLT contém disposições expressas no sentido de que o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) detém competência para estabelecer normas pertinentes à prevenção de doenças e acidentes do trabalho. São elas:
“Art. 155. Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho:
I – estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200.”
“Art. 200. Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
I – medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção, demolição ou reparos;”
Não se ignore que tais dispositivos mantêm fina sintonia com o artigo 7.º, XXII, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 7.º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Nessa esteira axiológica não resta dúvidas de que a Carta Constitucional de 1988 recepcionou a Portaria n.º 3214/78 do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e suas inúmeras Normas Regulamentares (NRs). Ao julgador cabe efetivar estas regras de prevenção, seja para contribuir para a redução dos altos índices de acidentes e doenças do trabalho seja para prestigiar a interpretação sistêmica e conforme à Constituição Federal.
Não se duvide da força normativa dessas NR´s, pelo simples fato delas serem Portarias do MTE e, portanto, meros atos regulamentares do Poder Executivo. De uma adequada interpretação do sistema jurídico, verifica-se que tanto a lei (art. 200, da CLT) quanto a Constituição Federal (art. 7.º, XXII) inspiram, referendam e impulsionam as aludidas NR´s, conferindo-lhes indubitável e autêntica normatividade.
Exemplo de sua plena aplicabilidade ocorre nos enquadramentos dos pedidos de insalubridade e de periculosidade nos termos da NR-15 e NR-16, respectivamente. Ora, durante décadas a Justiça do Trabalho vem aplicando com acerto as Normas Regulamentadoras e nunca ninguém obteve êxito na alegação de “ilegalidade” ou “ausência de força normativa”.
O próprio STF já pacificou este entendimento ao editar a Súmula n.º 194: “é competente o MTE para especificações das atividades insalubres”.
Nesse mesmo diapasão, o tema ganha destaque na caracterização da chamada “culpa acidentária”, a qual resta configurada cada vez que o empregador descumprir uma das disposições da infortunística, incluindo-se as Normas Regulamentares do MTE:
“Indenização por dano acidentário. Culpa. Configuração. A Constituição assegura aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7.º, XXII). As Normas Regulamentares traçam as medidas mínimas de proteção individuais e coletivas que devem ser observadas pelo empregador para, quando menos, atenuar os riscos aos quais se expõem para que se atinjam os fins colimados pela empresa. Sendo assim, se as normas são descumpridas, revela-se a culpa em potencial que se qualifica quando o dano físico é revelado, como no caso presente. De tal modo, por força da regra do artigo 159 do Código Civil, deve o empregador reparar o dano sofrido pelo empregado, ao qual culposamente deu causa.” (TRT – 2ª Reg. -20010153017/01 – 8ª T. – Ac. 20020279960 – Rev. Maria Luíza Freitas – DJSP 14/5/02)
O art. 154 da CLT preceitua que a observância das disposições sobre medicina e segurança do trabalho, previstas na Consolidação, “não desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições” relativas à matéria. Como se vê, a sua abrangência é ampla e atinge qualquer tipo de norma cujo conteúdo verse sobre segurança e saúde. Logo, cabe ao empregador obedecer toda e qualquer norma a respeito, seja ela prevista em lei, tratados internacionais, instrumento normativo da categoria ou portarias ministeriais.
Em alguns casos, a Norma Regulamentadora constitui fundamento legal até mesmo para deferir pedido de horas extras e intervalos especiais, conforme se infere da aplicação da NR nº 17, que ao tratar da ergonomia instituiu importante obrigação ao empregador quanto à redução dos riscos ocupacionais, como por exemplo aqueles inerentes ao processamento eletrônico de dados (digitação), disposta na alínea “c” de seu item “17.6.4”.
“17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: (…) c) O tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual”
Em igual direção é o Anexo II da NR-17 que trata do trabalho em Teleatendimento e Telemarketing:
Item 5.3 – O tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento/ telemarketing é de, no máximo, 06 (seis) horas diárias, nele incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração.
Item 5.4. Para prevenir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombros, dorso e membros superiores, as empresas devem permitir a fruição de pausas de descanso e intervalos para repouso e alimentação aos trabalhadores.
5.4.1. As pausas deverão ser concedidas:
a) fora do posto de trabalho;
b) em 02 (dois) períodos de 10 (dez) minutos contínuos;
c) após os primeiros e antes dos últimos 60 (sessenta) minutos de trabalho em atividade de teleatendimento/telemarketing.
No sentido de reconhecer a força normativa e vinculante das NRs, inclusive para deferir horas extras decorrentes da inobservância dos limites de jornada e intervalos, registre a seguinte ementa do pretório trabalhista mineiro:
“Existem funções que, em razão de seu exercício, ao longo do tempo, provocam graves seqüelas que chegam a resultar na lesão e atrofia de certos órgãos ou membros do corpo como ocorre, por exemplo, com a digitação que acaba provocando aleijões nos dedos, nas mãos ou nos braços do profissional que as executam. A concessão legal de intervalos intrajornada, nesse caso, tem por escopo evitar que trabalhadores que lidam com a atividade intensa de digitação sejam acometidos de tenossinovite ocupacional que, pela sua gravidade, é considerada doença ocupacional do trabalho, pela Previdência Social. Executando-se, pois, trabalho de digitação, de forma permanente e predominante, sem a observância de intervalos de 10 (dez) minutos, a cada 50 (cinqüenta) trabalhados, o empregado faz jus ao recebimento desses períodos legais de descanso, como extras. Há-de-se observar, no caso, que a norma (art. 72, da C.L.T., e NR 17, item 6.4, alínea d, da Portaria no. 3.214/78) fala em serviços permanentes, e não exclusivos pelo que, desta forma, a respeito, jamais se poderá operar interpretação de tal modo extensiva que passe a atribuir à expressão “serviços permanentes” o sentido de “serviços exclusivos”. (TRT 3.ª Região RO n.º 1473/02, Relator Manuel Cândido Rodrigues -DJ/MG em 6/6/03).
As NRs do MTE detêm força normativa e estão em perfeita harmonia com a ordem jurídica. Trata-se da chamada “competência normativa secundária” ou “delegação normativa”, traduzida nas palavras de Marçal Justen Filho como o poder atribuído constitucionalmente ao Legislativo “de transferir ao Executivo a competência para editar normas complementares àquelas derivadas da fonte legislativa”(1). Nesse contexto impende lembrar ser da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, da CF). Com efeito, considerando que delegação normativa para estabelecer disposição complementar às normas de prevenção em acidentes encontra-se expressamente prevista em norma federal (art. 200, I, da CLT), tem-se que as NRs encontram-se revestidas de perfeita normatividade, máxime porque prestigiam o Princípio da Unidade da Constituição.
Neste sentido é a Orientação Jurisprudencial nº. 345, editada pela SBDI-I do TST, em situação análoga:
“A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho n.ºs 3.393, de 17/12/1987, e 518, de 7/4/2003), ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, “caput”, e inciso VI, da CLT. No período de 12/12/2002 a 6/4/2003, enquanto vigeu a Portaria nº 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional de insalubridade”.
A fim de não pairar qualquer dúvida cabe lembrar que o STF já examinou este tema quando da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1347-5, interposta pela CNT Confederação Nacional de Transportes, incidente sobre os Atos que reformularam as NR-7 (PCMSO) e NR-9 (PPRA) previstas na Portaria 3214/78.
Além de não conhecer da aludida ADI-MC n. 1347-5, em sua composição plena o STF fez questão de registrar que “a preservação da saúde da classe trabalhadora constitui um dos graves encargos de que as empresas privadas são depositárias”, nos termos do art. 1.º, IV, da Constituição Federal.
Conclusão
As Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego (MET) que dispõem sobre medidas complementares no campo da prevenção de doenças e acidentes do trabalho cumprem expressa delegação normativa estampada em lei federal (art. 200, I, da CLT), além de efetivarem direito fundamental previsto no art. 7.º., XXII, da Constituição Federal. Logo, as NR´s detêm força normativa e vinculante para todas “as empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos de administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos poderes legislativo e judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho CLT” (NR 01.1).
Em sede de Ação Trabalhista cabe ao julgador aplicar com a máxima efetividade as disposições das NRs, inclusive como fundamento para deferir horas extras decorrentes da inobservância dos limites de jornada e intervalos nelas previstos ou para caracterizar a culpa patronal em ações de indenização por acidente do trabalho.
Nota:
(1) JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2.ª edição, SP, Saraiva, 2006, pág. 169. Em igual sentido Sebastião Geraldo de OLIVEIRA. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4.ª edição, LTr, 2008, pág. 171.
José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito pela UFPR; advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho; Autor da obra “Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho”, 3.ª. edição, LTr, 2009.
