A festa e o susto

Domingo de sol, a cidade acorda festiva, barulhos de motos, carros antigos na praça, sons musicais, alegria. É o ultimo dia da Festa do Milho. Teve boa repercussão no município, São Pedro amanheceu inspirado, colaborou e foi um domingo alegre e colorido. A auto-estima da cidade sobe, as pessoas estão felizes, sorridente, enquanto, a poucos metros do epicentro da festa – cerca de 55 pessoas estão amontoadas num pequeno espaço (3 mulheres dividem um espaço de menos de 8 metros quadrados e 52 homens dividem espaço que comporta 12 pessoas), esquecidos da vida cotidiana e fervilhante da cidade, vivendo uma triste realidade.

Viramos neste domingo manchete de um jornal de grande circulação no Estado e no Brasil, por causa destas pessoas. A manchete diz que a cidade histórica da Lapa sofre com o aumento da criminalidade, manchando a bela imagem de um dos municípios de maior importância histórica do Paraná, e traça um retrato duro e real do sucateamento da cadeia publica do nosso município – relativo a espaço físico, ausência de cumprimento de direitos humanos e do que preconiza a Lei de Execução Penal, quanto a higiene pessoal, exercícios físicos e banho de sol e a ausência de pessoal. Traz também uma foto da carceragem, que ocupa uma grande parte da primeira página.

?São nossos filhos? – pensei. Afinal a maioria deles são lapianos como eu. Trazem no rosto estampada um misto de curiosidade, melancolia e dignidade ao mostrar uma parte do espaço que coabitam – tentando dar aquele espaço um certo ar de humanidade. Não quero aqui parecer piegas – de ? coitados? eles não tem nada – afinal estão presos porque cometeram delitos (em sua maioria ligados ao tráfico e uso de drogas ilícitas) mas sim refletir um pouco sobre o cotidiano de nosso cidade.

Embora um pouco distante dos grandes centros, nossa cidade sofre dos mesmos problemas modernos: sucateamento dos equipamentos do Estado, ausência de policiamento ostensivo que gera insegurança nos cidadãos de bem e de outro lado desemprego, delinqüência, ausência de políticas claras e duradouras de geração de renda, emprego, esporte e lazer que acabam por empurrar uma série de pessoas à marginalidade total (ou seja: não ter poder de consumo como também partir para a criminalidade), o que aumenta os índices de violência e incha o sistema carcerário. Nossa cadeia vive isso – em dezembro tivemos mais uma fuga.

Se faz necessário uma tomada de consciência do problema e mais ainda um certo tom de ousadia para tentar resolver isso. Não basta apenas transferir alguns presos para diminuir a superpopulação alijando-os conseqüentemente das visitas dos seus familiares, que levam um pouco de esperança, de alimento, itens de higiene e limpeza, sons, sorrisos e afetos e que ajudam a tornam a convivência naquele espaço perto do suportável; não basta punir este ou aquele funcionário público porque deixou que tirassem uma foto da carceragem, nem de entrevistas com autoridades competentes tentando justificar o injustificável. Precisamos de um prédio mais apropriado (em espaço, distância, segurança), precisamos de mais funcionários para o atendimento (incluso aqui um delegado exclusivo para o município), precisamos de mais policiamento nas ruas, precisamos de mais políticas públicas de geração de emprego e renda, criação de um juizado especial para criminosos primários e penas alternativas como de prestação de serviços à comunidade, para evitar que mais pessoas entrem na criminalidade. Precisamos de mais solidariedade.

Precisamos que os poderes públicos locais (executivo), legislativo e judiciário) numa ação conjunta cobrem veementemente das secretarias de Segurança Publica e de Justiça do Estado do Paraná uma resposta menos paliativa e mais resolutiva. Precisamos de mais festas do milho e menos manchetes de jornais.

Semiramis Maria Amorim Vedovatto é lapiana, psicóloga e consultora em Direitos Humanos e Cidadania. semiramis@bol.com.br

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