Em termos de matéria tributária, a União parece estar sofrendo um contínuo retrocesso. A despeito das intensas negociações travadas por diversas entidades do setor de serviços, a lei que aumenta a alíquota da Cofins de 3% para 7,6%, a título de promover a eliminação da cumulatividade, prevendo descontos de determinados para evitar o aumento da carga tributária, não prevê mecanismos compensatórios para o setor de serviços e alguns ramos da indústria. O Governo Lula confirma, assim, equívocos já prenunciados na MP 135, estabelecendo um terreno de incertezas e desafiando as expectativas e o bom senso mesmo do mais otimista dos atores do cenário produtivo brasileiro.

A Lei 10.833 peca, primeiramente, pelas imprecisões. Ao estabelecer que a incidência se dará sobre todas as receitas das empresas, dá margem à discussão sobre o que pode ou não ser considerado receita, o que não foi especificado pelo texto legal. Da mesma forma, a indefinição do que poderia ser considerado insumo aumenta o emaranhado de dúvidas gerado pela lei, que acarretará aumento de carga tributária para 70% dos setores.

Para os prestadores de serviços, a única certeza é aquela que menos gostariam de ter: a folha de salários, principal despesa de suas empresas, não poderá ser creditada, o que acarretará aumento de até 150% na carga relativa à Cofins. A lei também cria inseguranças ao instituir a retenção na fonte do PIS, da própria Cofins e da CSLL quando dos pagamentos efetuados entre pessoas jurídicas pela prestação de determinados serviços. Além de representar mais uma antecipação de caixa para a União, a retenção poderá aumentar as despesas do tomador, que arcará com mais burocracia para o cumprimento de suas obrigações ficais ? agora acrescidas de informações referentes aos tributos de terceiros.

Para constatar os danos impostos pela lei, basta recorrer ao bom senso que faltou ao Governo. O setor de serviços representa mais de 50% do PIB brasileiro, e cerca de 35% da mão-de-obra formal empregada no país. Além de ser o maior empregador formal, é o principal contribuinte: o setor respondeu por 32% do total de R$ 251 bilhões arrecadados pelas atividades produtivas em 2001, segundo a Fundação Getúlio Vargas. A indústria veio logo em seguida, com 30%, enquanto o comércio representou 12% do total.

É freqüente em nossas esferas governamentais, todavia, o pensamento de que o setor de serviços é pouco tributado. Embora pujantes em arrecadação e geração de oportunidades de emprego e trabalho, as prestadoras enfrentam margens de lucro cada vez mais restritas, espremidas pela concorrência predatória exercida por formas ilegais de prestação de serviços, como as milhares de cooperativas de fachada, e a ferocidade do Fisco, que já afiou suas garras também nas prestadoras em outras ocasiões. O fato de ser um poderoso contribuinte confere ao setor uma inglória e injusta inversão de valores, expressa na idéia de que ele ainda deve arcar com mais custos, o que pode comprometer até mesmo a viabilidade de determinados segmentos.

A não-cumulatividade é um objetivo legítimo e coerente com um sistema tributário mais justo. Mas não se sustenta quando favorece determinados setores em detrimento de outros, dá margem ao mal-estar entre prestadores e tomadores a respeito de uma inadequada arrecadação na fonte e quando não deixa suficientemente claras as regras do jogo.

As explicitações da Lei 10.833 são deficientes e os legisladores, por não estarem a par da realidade do setor de serviços, acabam praticando atrocidades. Com tais fórmulas, nossos Poderes demonstram estar agindo equivocadamente no tabuleiro do crescimento e da geração de emprego. O que está em jogo, no entanto, não é somente a credibilidade de uma administração, mas a responsabilidade para com as atividades produtivas do país.

O ministro da Fazenda já afirmou enfaticamente que gostaria apenas de incorrer em erros novos, e não em erros já cometidos. Seria razoável esperar que o Governo como um todo seguisse tal pensamento. É imperioso restabelecer o bom senso em nossas atividades legislativas no que tange ao cipoal tributário brasileiro, e que, em última instância, o Judiciário faça prevalecer o equilíbrio na balança dos tributos.

Aldo Ávila Júnior é presidente do SINDICON ? Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação no Estado de São Paulo.

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