O Código de Defesa do Consumidor, a par de fixar os direitos do consumidor, estabelece os meios de defendê-los, sem o que, por óbvio, as prerrogativas instituídas constituiriam letra morta, ineficazes.
Ao dispor sobre esses meios, erige a facilitação da defesa no processo civil à condição de princípio (art. 6.º, VIII, do CDC), autorizando o juiz inverter a regra geral de que o autor deve provar o fato constitutivo do seu direito, sob pena de sua pretensão não ser atendida (art. 333, I, do CPC). É a chamada inversão do ônus probatório, onde o juiz se convencendo de que o que diz o consumidor é verossímil, isto é, parece verdadeiro, não repugnando a lógica, ou que então haja evidente descompasso econômico entre os litigantes a ponto de tornar o consumidor vulnerável, ele o dispensa de provar o fato de onde nasce o direito cuja proteção é buscada. Transfere à parte contrária, o fornecedor, que, pela regra geral, seria chamado a contrapor apenas aquilo que fosse provado pelo adversário – a obrigação de demonstrar não ter havido violação ou por ela não ser responsável.
A providência adotada pelo legislador decorre do reconhecimento de que, na relação de consumo, o consumidor é a parte mais fraca, o que gera a necessidade de ser estabelecida uma igualdade real de equilíbrio na balança jurídica. Afinal, o processo não pode ser confundido com um jogo, onde o mais sagaz ou que tenha maiores recursos ao seu dispor, sai vencedor. Deve ser, sim, instrumento de justiça eficaz a ponto de encontrar o verdadeiro titular de um direito, pois é desta forma que estará atingindo a paz social, o objetivo maior da prestação jurisdicional.
Em outras palavras, não basta a Constituição prever como garantias individuais a igualdade e o devido processo legal. O processo legal só se torna efetivo quando o contraditório, destinado a busca da verdade real, é feito dentro de critérios que não privilegie nenhum dos litigantes, em irrestrita igualdade. Só assim se pode dizer que há o real contraditório e a ampla defesa.
A inversão do ônus probatório decorre, portanto, da preocupação em ser evitada uma sentença injusta devido aos entraves encontrados pela parte, em situação de inferioridade na relação processual, de demonstrar a verdadeira realidade fática. Representaria verdadeiro fracasso da atividade jurisdicional, agressão ao sentido de justiça, contemplar o litigante apenas por sua condição privilegiada, em detrimento de quem está com o direito, mas que foi prejudicado devido a sua posição técnica ou econômica de inferioridade.
Outrossim, a facilitação da defesa do consumidor e a inversão do ônus da prova não podem ser confundidas como meios destinados para assegurar a ele sua vitória. Tanto quanto é repudiado pela ordem jurídica a comentada desigualdade do consumidor frente ao fornecedor, também o é qualquer medida tendente a indevidamente privilegiar aquele em detrimento deste, pois em ambas as hipóteses haveria sacrifício da isonomia e do equilíbrio viciando a definição do direito material pretendido.
Não é o bastante, porém, apenas ser reconhecida a importância da inversão do ônus da prova como elemento de preservação do direito de defesa e de garantia do processo legal. É fundamental que a ambas as partes seja dado prévio conhecimento, antes da produção instrutória, do sistema a ser seguido, já que a inversão na relação de consumo não é automática, prevalecendo a regra do CPC enquanto não for de forma expressa admitida.
Ao contrário da corrente que defende dever a inversão do ônus ser apreciada na sentença, entendo que o CDC (art. 6.º, VIII) não estabelece uma simples regra de julgamento mas, sim, comando que prevê um procedimento a ser adotado pelo juiz vinculando as atividades a serem desenvolvidas pelas partes no processo, especialmente pelo réu fornecedor quando a ele impõe um ônus processual que ordinariamente não lhe seria exigível. Só a partir daí, o juiz estaria autorizado a adotar todas as providências necessárias à efetivação do direito do autor consumidor, compatibilizando-o à atividade procedimental.
Por isso, ao meu ver fica claro, que a inversão do ônus não pode ser interpretada como regra de julgamento e, como tal, passível de ser apreciada na sentença, pois embora a lei não fixe a ocasião em que deva ser determinada, ela estabelece uma regra de atividade, de caráter procedimental, a ser respeitada pela partes e observada pelo juiz. Se a norma tem por objetivo facilitar a defesa em juízo dos direitos do consumidor, caso entendido que só na sentença o juiz deve deliberar sobre a inversão, esse direito, instituído com o fim de proteger o consumidor, restaria comprometido pois, diante da sua indefinição até o julgamento, mesmo pelo princípio da eventualidade, o consumidor prudente ficaria comprometido a demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, de nada lhe servindo, na prática, o benefício.
Ao contrário, definindo o encargo probatório no curso da lide, não importando o rito ou momento processual, se ordinário ou sumário, se no despacho inicial, após a contestação, quando fixados os pontos controvertidos ou for a prova deferida, ficaria claro tanto ao consumidor como ao fornecedor as providências que deveriam tomar em favor dos seus interesses. Se negada a inversão, fica sabendo o consumidor que lhe incumbe o ônus da prova. Do contrário, presumindo-se como verdadeiros os fatos nos quais o direito que alega tem respaldo, é do fornecedor o ônus de provar a inveracidade, sujeitando-se às conseqüências de sua inércia, o que faz do prévio conhecimento sobre a quem é atribuído o ônus de provar fator determinante na condução da instrução e, em decorrência, da solução do litígio.
Hamilton Mussi Corrêa é juiz do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná.