Há interesses que carecem de tutela penal e ultrapassam as fronteiras de qualquer país, porque a sua salvaguarda se mostra indispensável ou particularmente benéfica para a comunidade dos povos. Os fatos incrimináveis por força do seu significado para toda a comunidade internacional são normalmente objeto de convenções ou tratados internacionais, mas estes só recebem força obrigatória em cada Estado pela sua inclusão no direito positivo interno. Torna-se necessário prever a punição de crimes cometidos por brasileiros no estrangeiro, em relação aos quais é predominante o interesse em punir por parte da comunidade social mais diretamente ofendida, representada pelo Estado em cujo território foram cometidos, porque, sendo vedada a extradição de cidadãos nacionais, estes refugiando-se no seu país de origem, ficariam isentos de qualquer repressão. Se o Brasil não entrega a outro Estado o brasileiro que lá delinqüiu, fica adstrito a puni-lo segundo a lei nacional, pois de outro modo, estaria assegurando a impunidade do crime. Os nacionais de um determinado Estado permanecem ligados à pátria por laços de várias ordens, onde quer que se encontrem. Mesmo que um indivíduo esteja fora do seu país de origem, mesmo assim o seu Governo continua a dispensar-lhe proteção. Por isso mesmo é justo que estando no estrangeiro o nacional e ai pratique fatos criminosos que ofendam os interesses do país de origem, deva também responder, pela pratica de tais fatos, perante os tribunais do seu país.

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Os crimes cometidos no estrangeiro pelo indivíduo de um certo país, que retorna a sua origem e em conseqüência impossibilitando a sua extradição, deve ser punido pela sua lei nacional para que o seu crime não fique impune. Não basta somente a aplicação do Princípio da Territorialidade, pois, para que este seja julgado deve-se recorrer também ao Princípio da Nacionalidade. Isto deve acontecer por uma questão de reciprocidade, punido-se o nacional por um fato praticado no estrangeiro. Mas, para que isto aconteça é necessário que ocorra o seguinte: que o agente entre em território nacional; ser o fato punível também no país em que foi praticado; estar o crime incluído pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; não ter sido o agente absolvido no estrangeiro;ou não ter aí cumprido a pena; ou ter sido perdoado no estrangeiro; ou estar ainda extinta a sua punibilidade. O Princípio do Juíz Natural, estabelecido no artigo 5.º, Inciso LIII da Constituição Federal determina que é direito da pessoa ser processada perante Magistrado imparcial, independente e com competência pré determinada. Este princípio tem o condão de reafirmar o compromisso do Estado brasileiro com a construção das bases jurídicas necessárias à formulação do processo penal democrático. Por essa razão cada país tem suas próprias leis, editadas para serem aplicadas no espaço onde ele é soberano. A lei penal, em decorrência do Princípio da Soberania, vige em todo o território de um Estado politicamente organizado, pois a própria soberania impede que as leis desse Estado sejam aplicadas noutro. Para um combate eficaz à criminalidade, quando um comportamento criminoso interessa a mais de um Estado, há necessidade de que os efeitos da lei penal ultrapassem os limites territoriais para regular fatos ocorridos além da sua soberania. Embora a jurisdição brasileira seja aplicável ao crime cometido em território nacional, de acordo com o Princípio da Territorialidade estabelecido no artigo 5.º da Constituição Federal, o artigo 7.º do Código Penal prevê as exceções em situações nas quais pode ser aplicada a lei brasileira a crimes cometidos fora do território nacional. A aplicação da Lei Penal no Espaço denomina-se de Extraterritorialidade. Nessas exceções surge então, a necessidade de limitar a eficácia espacial da lei penal, disciplinando qual lei deve ser aplicada e para resolver esta questão de competência e soberania foi que a doutrina formulou os seguintes princípios: Princípio da Territorialidade no qual a lei penal aplica-se no território onde se exerce a soberania do Estado, independentemente da nacionalidade do agente, da vítima ou do titular do bem jurídico atingido. A pena deve ser irrogada onde o malefício foi praticado, pois quando ocorre fora desse local as dificuldades de ordem processual são muitas. Principio da Personalidade ou da Nacionalidade, aplica-se a lei penal onde o cidadão se encontre, considerando-se somente a sua nacionalidade. Este princípio também é adotado por nossa legislação, onde, por essa regra, não se concede a extradição de nacionais. Se não faz a entrega, obriga-se o Estado a puni-lo. Este princípio engloba o da Personalidade Ativa onde só se considera a nacionalidade do autor do delito, estabelecido no art. 7.º, II, B do Código Penal (FICAM SUJEITOS À LEI BRASILEIRA, EMBORA COMETIDOS NO ESTRANGEIRO OS CRIMES PRATICADOS POR BRASILEIROS). E o princípio da Personalidade Passiva onde se considera somente a nacionalidade da vítima do delito previsto no artigo 7.º, § 3.º do Código Penal. Este princípio tem por objetivo impedir a impunidade de nacionais por crimes praticados em outros países, que não sejam abrangidos pelo critério da territorialidade. O Princípio da Defesa ou Real onde a lei penal é aplicada independente da nacionalidade do bem jurídico atingido pela ação delituosa, onde quer que ela tenha sido praticada e independente da nacionalidade do agente. O Estado protege os seus interesses além fronteiras. O Princípio da Justiça Universal pelo qual as leis penais devem ser aplicadas a todo e qualquer fato punível seja qual for a nacionalidade do agente, do bem jurídico lesado ou posto em perigo e em qualquer local onde o fato foi praticado. A lei penal deve ser aplicada a todos os homens independentemente do local onde se encontrem. É um princípio baseado na cooperação penal internacional e permite a punição, por todos os Estados, da totalidade dos crimes que forem objeto de tratados e de convenções internacionais, pois o crime é um mal universal e todos os Estados tem interesse de coibir a sua prática, protegendo os bens jurídicos da lesão provocada pela infração penal. Nesses casos firma-se a competência pela prevenção. O Princípio da Representação ou da Bandeira é um principio subsidiário e só é aplicado quando houver deficiência legislativa ou desinteresse de quem deveria reprimir. Aplica-se aos delitos praticados no interior de embarcações e aeronaves, a lei do Estado em que está registrado o veículo ou cuja bandeira ostenta e esta previsto no art. 7.º, II,C do Código Penal. O nosso Código Penal adotou o Princípio da Territorialidade previsto no artigo 5.º como regra geral, e como exceção o Princípio Real, de Proteção ou da Extraterritorialidade Incondicionada quando o crime for cometido contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; contra o patrimônio ou a fé pública da União; contra a administração pública ou de genocídio. E o Princípio Universal, Cosmopolita ou da Extraterritorialidade Condicionada com relação aos crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir; O Princípio da Nacionalidade Passiva quando o crime tiver sido cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil. Com relação ao Lugar do Crime para a adoção do Princípio da Territorialidade e de suas exceções o Código Penal brasileiro adotou no artigo 6.º a Teoria Pura da Ubiquidade, Mista ou Unitária onde, este tanto pode ser o da ação como o do resultado ou ainda o lugar do bem jurídico atingido. Este princípio sofre duas exceções: o da Extraterritorialidade quando limitado o jus puniendi do Estado em seu próprio território e o da Ultraterritorialidade quando ampliado a esfera da aplicação da lei penal para além do seu território.

A norma de Direito Internacional é destinada a dizer até onde vai, no espaço, a competência judiciária dos órgãos do Estado que a formula. O Direito Internacional proíbe, como limitação primordial aos Estados, que estes exerçam seu poder sobre o território de outro Estado. Esta não pode ser exercida fora dos seus limites, salvo em virtude de regra permissiva, emanada desse direito costumeiro ou convencional. O Direito das Gentes não proíbe um Estado de exercer, em seu próprio território, sua jurisdição em causa penal ocorrida no estrangeiro. O Direito de Punir surge da notícia de um fato típico, bastando para que haja processo no Brasil, que se verifique a adequação do fato praticado em outro Estado por um brasileiro na descrição objetiva ou típica contida no texto da lei penal estrangeira e que este encontre-se em local sob jurisdição brasileira. Se a territorialidade das leis penais se baseia no Princípio da Soberania, este mesmo princípio leva à conseqüência de que todas as vezes em que o Estado tenha interesse em punir, em seu território, real ou fictício, para salvaguardar a ordem pública do país, uma infração cometida no estrangeiro, pode e deve fazê-lo. Desta forma, não resta qualquer dúvida de que as leis penais brasileiras são eficazes e suficientes para punirem seus nacionais, autores de crimes praticados fora do território nacional, nas circunstâncias já elencadas, não havendo necessidades de novas e sim da conscientização da possibilidade de sua aplicação e da vontade política no exercício da Extraterritorialidade da Lei Penal Brasileira.

Dalio Zippin Filho é advogado e professor da UTP.

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