A extensão da falência e seus jurídicos efeitos a empresa pertencente a grupo econômico – Anotações

O presente texto tratará, basicamente, de três situações deveras importantes em sede de falência. A primeira diz respeito ao fato de que, muito embora o novo texto legal, que trata da falência e da recuperação de empresa e empresário [Lei 11.101/05], nada disponha a respeito da possibilidade de extensão da falência e seus efeitos jurídicos a um outro ente, por força da construção jurisprudência, arrimada na Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, há, de fato, tal viabilidade jurídica [a doutrina hodierna a respeito do processo de falência nada escreve a respeito de tão relevante tema]. A segunda, não menos relevante, se refere especificamente ao contido no artigo 192 e o texto do parágrafo quarto, da citada Lei 11.101/05. Em linhas gerais, o caput do texto estabelece que não se aplica o novel texto normativo aos processos de concordata ou de falência ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, os quais serão concluídos pela lei de 1945. Já do parágrafo quarto do mesmo dispositivo consta com todas as letras que a nova lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordata ou de pedido de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, a lei de 1945, devendo o juiz observar os requisitos gerais estabelecidos no artigo 99 do novel texto. Afinal de contas, qual é o dispositivo aplicável? A terceira, e não menos relevante, se refere à possibilidade [ou não] de haver liquidação de bens em processo de natureza falencial, que se tenha iniciado antes de vigência do novo texto legal, e dentro do qual [desse processo falimentar] foi decidido pela extensão da falência e seus efeitos jurídicos a um outro ente, pertencente ao mesmo grupo econômico [no tocante a esse particular aspecto, também nada consta dos manuais pátrios].

No que se refere à primeira questão, mesmo antes de expressamente constar do artigo 50 do Código Civil de 2002, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica já vinha sendo estudada e aplicada nos casos judiciais. Evidentemente que aqui não se descerá a minúcias a respeito de palpitante tema, mas sobreleva lembrar que desconsiderar a personalidade jurídica significa ignorar a atribuição legal de direitos e obrigações e a questão envolvendo o abuso de direito e a fraude, conforme exposto, no Brasil, teve como ponto de partida o texto do prof. Requião, em dezembro/1969, na Revista dos Tribunais. Esse é considerado o termo inicial para fins da discussão a respeito da doutrina da disregard theory. A jurisprudência já consolidou entendimento de que ?sendo evidenciada a fraude por parte dos sócios de empresa falida, consistentes em desviar o patrimônio da sociedade para o seu próprio e para empresa sucessora, tudo com o objetivo de lesar os interesses dos credores, mostra-se acertada a decisão, proferida nos próprios autos da falência, afastando a proteção patrimonial da personalidade jurídica, determinou a arrecadação dos bens pessoais dos mesmos, reunindo-os aos da massa falida, inclusive mediante concessão cautelar de seqüestro, busca e apreensão desses bens?. Portanto, tratando-se especificamente acerca de caso que envolva a possibilidade de desconsideração de personalidade jurídica, e tal pleito é formulado no âmbito do processo falimentar, inexiste motivo bastante para deslocar a discussão para outro processo, como poder-se-ía pensar, a princípio. De fato, caso não é de se falar em responsabilidade de participante, e aí sim deveriam ser observados os artigos 81 e 82 da nova lei falimentar. Portanto, verifica-se que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida e decidida no âmbito do processo falimentar, quando existam vínculos entre empresas outras e a falida.

Quanto a segunda situação aqui ventilada, nota-se que a redação do artigo 192 da Lei 11.101/05, é confusa, especialmente no que diz com as disposições constantes do caput e do parágrafo quarto. Ora, em linhas gerais, o caput estabelece que o novel texto falimentar não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que deverão ser concluídos com base na lei de 1945. A seu turno, diz o texto normativo constante do parágrafo quarto que a lei de 2005 é aplicável às falências decretadas quando da vigência das novas disposições resultantes de convolação de concordata ou de pedido de falência anteriores, às quais aplicar-se-á, até a decretação, a lei de 1945, devendo ser observado na decisão que decreta a retirada da empresa do mercado, o que consta do art. 99 [da nova lei]. Confuso, não? Pois é. Um pequeno parêntesis deve ser feito desde logo. O parágrafo primeiro do mesmo art. 192, que literalmente proíbe a concessão de concordata suspensiva [procedimento esse não previsto no novo texto de lei] a entes em processo falimentar regido pelo Dec.-Lei 7.661/45, e que permite a alienação imediata de ativos arrecadados, assim que concluído tal procedimento [arrecadação], e ainda independentemente de formação de quadro geral de credores e conclusão de inquérito judicial, mostra-se totalmente inconstitucional. O tema será tratado noutro lugar. Prosseguindo com a análise específica do caput e do § 4.º do art. 192, nota-se claramente o descuido, o cochilo, quando da redação do texto normativo. Ora, em sendo clara a lei nova de que os processo antigos, e com decretação da falência anterior a 9/jun/05, ou mesmo com anterior deferimento do processamento do favor legal [concordata preventiva], é de todo evidente que tais feitos não serão regidos pelo texto de 2005. Tivesse o legislador parado de descrever quando findada o caput, nenhum problema existiria. Mas foi adiante, inserido a arbitrariedade contida no § 2.º e piorando as coisas com a desastrosa redação do § 4.º, todos do art. 192. Este claramente estabelece que as falências com termo inicial antes de 9/jun/05 terão prosseguimento com base no novo texto, o que se mostra incorreto. Os pedidos de falência ajuizados ao tempo da lei de 1945, mas sem decretação até junho/05 reger-se-ão pela lei antiga e a sentença deve observar os requisitos do artigo 99 do texto de 2005. Verdadeira miscelânea, como se pode perceber, existindo verdadeira antinomia, com a contradição real e evidente entre os textos em comento. Claro e evidente que o devedor, citado em pedido de falência, com base na lei de 1945, terá menos prazo e mais prejuízo em relação ao devedor citado com espeque na lei de 2005 [lá o prazo é de 24h e aqui o prazo é bem mais amplo: 10 dias]. Haverá, assim, tratamento diferenciado. Dúvida não há, consoante interpretação adequada, que o parágrafo quarto não pode ser observado, pois totalmente em dissintonia com o caput do artigo 192. As falência iniciadas antes de 9/jun/05 deverão ser concluídas com observância da lei de 1945, portanto.

A terceira e última questão diz respeito ao seguinte tema não menos importante no âmbito falência: pode – ou não – liquidar patrimônio arrecadado em processo no qual foi decretada, posteriormente a esse ato [arrecadação], a falência de outra empresa do mesmo grupo econômico, tudo caminhando nos trilhos da lei de 1945? Crê-se que sim. E a resposta não guarda grande dificuldade. Evidente que o feito deverá, quanto a nova empresa falida, por assim dizer, observar os ditames legais, tais como envio de circular pelo síndico [lembre-se que o tema aqui é relativo ao texto de 1945], verificação de créditos, eventual inquérito judicial etc., mas também lembre-se que noutro lado está todo o patrimônio já arrecadado antes da decretação da falência por extensão, e que poderá, eventualmente, ser o único conjunto de bens relativo às duas empresas falidas. Lembre-se ainda que o processo permite a alienação antecipada, em qualquer momento e mesmo antes da fase liquidatória propriamente dita [art. 114 do antigo texto], tudo com base no art. 73 do Dec.-Lei 7.661/45. A alienação do patrimônio já arrecadado é um dever que se impõe, pena de deterioração, desvalorização etc., de modo que o juiz condutor do processo pode determinar, à vista de razões esclarecedoras, apresentadas pelo síndico, ordenar a imediata venda de bens apreendidos judicialmente. Haveria prejuízo aos ?novos? credores, que participarão do velho processo, considerando a extensão da falência? Não. Ora, a alienação de bens não tem impeditivo, principalmente se o processo já está na fase do art. 114, e caberia ao síndico depositar o produto da alienação junto ao Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, conforme art. 209, para que depois houvesse o rateio entre todos os credores [os antigos e os novos]. O que não poderia ocorrer é a suspensão dos atos de alienação de bens porque novo procedimento foi instaurado no âmbito da falência. Suspender venda de bens seria, aí sim, medida criadora de sérios prejuízos a todos os credores.

Carlos Roberto Claro é professor assistente de Direito societário e falimentar das Faculdades Integradas Curitiba, mestrando em direito pela mesma instituição de ensino; especialista em direito empresarial e membro do ?American Bankruptcy Institute?.

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