A reforma do Judiciário, que se materializou na Emenda Constitucional n. 45/04, promulgada no último dia 08 de dezembro, e que será publicada provavelmente no dia 30 de dezembro de 2004, dentre tantas novidades, revelou séria preocupação com a preparação profissional do candidato que pretende ingressar nas carreiras da Magistratura e do Ministério Público.

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Durante os doze anos de tramitação dessa reforma chegou-se a discutir a exigência de uma idade mínima para o acesso a tais cargos. Mas esse critério acabou sendo abandonado, prevalecendo a obrigatoriedade de, no mínimo, três anos de atividade jurídica (cf. art. 93, I, da CF, com a redação dada pela EC 45).

De se notar, desde logo, que esse requisito deve fazer parte de uma futura Lei Orgânica da Magistratura e do MP (cf. art. 93, I e art. 129, §§ 3º e 4º, da CF). Lei Complementar vindoura deve levar em consideração esses dispositivos. É discutível, portanto, que, desde já, essa recomendação (?) constitucional seja imediatamente exigível. Pensamos que, sem a previsão expressa do tema nas Leis Orgânicas (da Magistratura e do MP), todos os respectivos concursos devem continuar sendo regidos pelos critérios hoje vigentes.

Vencida essa questão preliminar, cabe prontamente observar que o novo texto constitucional não fala em prática forense, sim, em atividade jurídica, que é conceito muito mais amplo que o primeiro. Desde logo, portanto, não é preciso ser advogado ou estagiário da OAB para se tornar juiz ou promotor. Não é necessário ter atuado efetivamente em processos judiciais. O funcionário público impedido de advogar não está impossibilitado de se inscrever para tais funções, desde que exerça atividade jurídica.

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O foco da nova exigência constitucional, como se percebe, não é só a atividade forense. O que se pretende é buscar no mercado interessados que contem com prévia experiência profissional no âmbito jurídico. Mas isso não está adstrito ao exercício da advocacia. O Delegado de Polícia, por exemplo, muitas vezes até não é advogado, mas pode preencher sem sobra de dúvida as duas novas exigências constitucionais: (a) ser bacharel em direito; (b) ter no mínimo três anos de atividade jurídica.

O que importa, desse modo, é identificar com clareza a essência da função que se desempenha. Sendo ela jurídica, ainda que exercida antes da data da formatura, como é o caso do estagiário da OAB, escrevente judiciário, assessor jurídico de desembargador ou juiz, estagiário do MP ou da Magistratura etc., será possível seu cômputo para o cumprimento do triênio imposto. A mera freqüência a escolas de preparação, ainda que oficiais (da Magistratura ou do MP), obviamente, não configura atividade jurídica. Preparação teórica, por mais perfeita que seja, não constitui automaticamente exercício prático.

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Recorde-se, de outro lado, que no Brasil vigora o modelo técnico-burocrático de magistratura (e de Ministério Público). Isso significa que o fundamental é a aferição da capacidade técnica do candidato. É o que mais importa nesse modelo. Quando essa capacitação vem aliada com a experiência de vida e profissional, tanto melhor. A experiência de vida se adquire normalmente pela idade. A profissional pelo exercício de uma atividade (não pela freqüência a uma escola). Na Inglaterra não existem juízes jovens. Mas lá vigora outro modelo.

A reforma estampada na EC 45 adotou posição intermediária, passando a exigir, além da capacitação técnica, a experiência jurídica de três anos (experiência essa que deve ser enfocada compulsoriamente de forma ampla, porque o decisivo é o conhecimento técnico no momento do concurso). Perdeu, de qualquer modo, excelente oportunidade de resolver definitivamente a questão concernente à conciliação entre conhecimento técnico e experiência profissional e pessoal. Era só ter previsto que o juiz ou promotor, depois do ingresso (com qualquer idade e com ou sem experiência jurídica precedente), devesse iniciar a carreira obrigatoriamente nos juizados especiais cíveis e criminais, nele permanecendo pelo menos três ou quatro anos.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito penal pela USP, secretário-geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), consultor e parecerista e diretor-presidente da TV Educativa IELF (1ª Rede de Ensino Jurídico Telepresencial da América Latina com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país ? www.ielf.com.br).