A execução da pena privativa de liberdade (I)

Um novo tempo de bom trabalho persistente e de esperança

No mês de julho deste ano publiquei na coluna Breviário Forense quatro artigos sob o título “A execução penal no Estado do Paraná”, abordando aspectos específicos como o papel transformador da Lei de Execução Penal, o necessário (e indispensável) apoio aos magistrados que cuidam dessa especialidade forense e a criação da 3.ª Vara de Execuções Penais em Curitiba.

O primeiro artigo tinha o seguinte fecho: “Uma bem fundamentada exposição sobre as suas funções e responsabilidades foi dirigida pelos juízes da Execução Penal de todo o Estado ao Desembargador José Vidal Coelho, em linguagem apropriada e com inegáveis razões humanas, sociais e jurídicas.

Tendo em vista a aprovação, pela Assembléia Legislativa, do projeto de iniciativa do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, da criação de cargos em comissão de assessor de Juiz de Direito eles requerem a designação de assessores para todas as varas de Execução Penal que cumulem ou não a Corregedoria dos Presídios.

A justa reivindicação é assinada por Christine Kampmann Bittencourt (Guarapuava), Cristiane Tereza Willy Ferrari (Londrina), Paulo Damas (Cascavel), Celso Guisard Thaumaturgo (Foz do Iguaçu), Alexandre Kozechen (Maringá), Antonio Acir Hrycina (Ponta Grossa), Marcio José Tokars, Lourival Chemim, Roberto Antonio Massaro e Carlos Henrique Licheski Klein (Curitiba)”.

Retorno agora ao mesmo assunto; porém com aspectos novos e essenciais. O primeiro deles é a persistência com a qual os magistrados que trabalham com a execução penal em nosso Estado revelam saudável determinação para humanizar o sistema penitenciário que, como é notório, é sempre um terreno minado de insegurança jurídica.

O segundo é a nova contribuição dos juízes para o efetivo cumprimento de dois princípios constitucionais: a) O princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República; b) O princípio da individualização da pena, que se opõe à execução massificadora.

A contribuição consiste na elaboração de propostas objetivas para o aprimoramento da execução da pena de prisão para o sistema penitenciário paranaense.

A Comissão encarregada dessa relevante tarefa, instituída de comum acordo entre o Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, Desembargador Jair Ramos Braga e o Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador José Antônio Vidal Coelho, teve a seguinte composição: Carlos Henrique Licheski Klein, presidente (juiz da 2.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba); Roberto Antonio Massaro, vice-presidente (juiz da 1.ª Vara de Execuções Penais de Curitiba); Christine Kampmann Bittencourt, secretária (juíza da Vara de Execuções Penais de Guarapuava); Vera Lúcia Silano dos Santos (diretora do Patronato Penitenciário Estadual); Joe Tennyson Velo (presidente do Conselho Penitenciário Estadual); Honório Olavo Bortolini (coordenador-Geral do Departamento Penitenciário Estadual); Flávio Lopes Buchmann (diretor da Penitenciária Estadual de Piraquara); Lauro Luiz de Cesar Valeixo (diretor da Colônia Penal Agrícola). Trata-se, portanto, de um grupo de especialistas altamente qualificados para cumprir a missão designada com sensibilidade e competência.

Considerando que o assunto envolve os princípios constitucionais já referidos; considerando a clareza da exposição das propostas; considerando o esmero técnico de sua redação e considerando o imenso número de leitores deste prestigiado caderno Direito e Justiça de leitura obrigatória aos profissionais do Direito e da Justiça penso que o melhor é reproduzir (em série) o documento, assim como ele foi encaminhado para as seguintes autoridades: Governador do Estado, Presidente do Tribunal de Justiça, Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, Procurador-Geral da Justiça, ao Corregedor-Geral da Justiça, aos titulares das Varas de Execuç&atil,de;o Penal, ao Presidente da Ordem dos Advogados, aos agentes do Ministério Público que oficiam nas Varas de Execução Penal e aos diretores das unidades penais do Paraná. Todas essas pessoas são responsáveis, individual e coletivamente, pela análise e recepção dessas propostas, que não podem ficar à margem do cotidiano funcional ou ignoradas pela administração pública.

Segue, portanto, ipsis literis, a primeira parte da relação das propostas com as justificativas elaboradas pela própria Comissão de Aprimoramento.

“1. 1. PESSOAL PENITENCIÁRIO

Dotar todas as Unidades Penais do Estado de pessoal suficiente, preenchendo as vagas já existentes, notadamente na área de tratamento penal/equipe técnica, com reserva estratégica, de forma que ausência de servidor, p. ex., por licença médica, férias, licenças, etc., possa ser suprida, adotando-se o critério de um profissional da área técnica para cada grupo de 250 presos.

JUSTIFICATIVA: Atualmente todas as Unidades do Sistema Penitenciário Estadual contam com um número insuficiente de servidores voltados ao tratamento penal, que deve iniciar-se por uma triagem adequada e seguir com a aplicação efetiva de medidas julgadas pertinentes e necessárias para ressocialização do sentenciado, sem olvidar o indispensável atendimento jurídico.

É imperioso, portanto, que a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania contrate e dote as unidades penais de corpo técnico mínimo, sem o que não há possibilidade de implementar, com eficiência, as medidas necessárias à recuperação do detento.

É recomendável que os servidores permaneçam voltados exclusivamente ao trabalho nas suas Unidades Penais, evitando-se qualquer forma de disposição funcional.

1. 2. TRIAGEM DE PRESOS

1. 2. 1. Triagem efetiva com separação dos detentos segundo critérios estabelecidos pelo Departamento Penitenciário, em conjunto com a direção das Unidades e a Escola Penitenciária, de forma padronizada em todo o Estado do Paraná, adotando-se, inclusive, um roteiro para recepção e acolhida do preso.

JUSTIFICATIVA: Embora haja esforço neste sentido, não há, no Estado do Paraná, uma triagem efetiva, que deveria iniciar-se pelo encaminhamento do preso, segundo seu grau de comprometimento com a transgressão, para uma determinada unidade.

O argumento de falta de vagas não serve de escusa, na medida em que a ausência de triagem não aumenta o número de vagas, valendo consignar que, especialmente em Curitiba e Região Metropolitana, estando todas as unidades próximas, não haveria dificuldade em eventual remanejamento, desde que houvesse troca de informações entre os responsáveis pelo gerenciamento do sistema.

Convém registrar que as organizações criminosas, originárias do Estado de São Paulo, buscam infiltrar-se e dominar estabelecimentos penais locais, certo que a simples separação por galerias nem sempre é suficiente para afastar os detentos da ação e/ou influência perniciosa destes ou de outros grupos.

De outro lado, a uniformidade de recepção, com a coleta de dados pessoais, perfeita identificação, triagem técnica profunda, indicação do grau de periculosidade e de tratamento penal, agendamento de benefícios é absolutamente indispensável para o êxito do tratamento penal.
O detento, ao ingressar na unidade penal, deve obrigatoriamente conhecer as alternativas que a unidade oferece, assim como ser conhecido pela equipe técnica, evitando o risco de contaminação e/ou abandono.

Oportuno destacar que grande parte dos detentos é de origem humilde, baixa escolaridade e/ou nível profissional irrelevante para o mercado de trabalho, devendo ser corretamente orientado quando ingressar na unidade, que é o primeiro passo para o êxito do tratamento penal.
Essa recepção deve incluir, além da investigação do nível de risco que oferece para a unidade penal, ciência das medidas de tratamento penal disponíveis e opção da equipe técnica quando ao caso do sentenciado, informação sobre contato com os familiares, esclareciment,os sobre sua situação processual se preso provisório e executória, instruindo-o quanto aos benefícios que a lei contempla, o que é necessário para alcançá-los e a data provável em que será cumprido o requisito objetivo.

1. 2. 2. Aproveitamento das entrevistas anteriores, que devidamente registradas deverão ser utilizadas, em caso de movimentação dos presos, dentro do Sistema Penitenciário do Paraná.

JUSTIFICATIVA: Embora o Centro de Observação Criminológica e Triagem conte com pessoal técnico, realizando entrevistas, o trabalho inicial deve ser aprimorado, no sentido de ser realizado um diagnóstico preciso da personalidade do sentenciado, de modo que possa ser aproveitado nas unidades de destino, visando uma execução individualizada da pena, com o conhecimento do Poder Judiciário.

Logo, visando maximizar o aproveitamento dos dados compilados, toda e qualquer avaliação, recomendação de medida de tratamento penal ou medida efetivamente aplicada (p. ex., acompanhamento para dependência química, com ou sem seguimento) deve estar disponível para o judiciário e para as unidades de destino, integrando a ficha de dados gerais do sentenciado.

1. 3. TRATAMENTO PARA DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Todas as unidades do sistema penitenciário devem ampliar o programa de acompanhamento e tratamento para dependentes/usuários de substâncias psicoativas que causem dependência química ou psíquica.

JUSTIFICATIVA: É fato que um percentual muito elevado de detentos foi ou é usuário de substâncias que causam dependência, aqui incluídas as substâncias de origem lícita.

Se é de conhecimento de todos, da sociedade em geral, que referidas substâncias estão na origem de grande parte da criminalidade, urge que providências sejam adotadas no âmbito do sistema penitenciário.

A Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania isoladamente e/ou, em conjunto com outras Secretarias de Estado deve ampliar medidas já adotadas, sem poupar esforços ou recursos, para coibir o ingresso destas substâncias nos estabelecimentos penais, bem assim para prestar o indispensável auxílio aos dependentes, de tal forma que seja possível deles esperar alguma lucidez para, na seqüência, oferecer-lhes estudo formal e/ou profissionalizante e trabalho.

1. 4. CANTEIROS DE TRABALHO

Todas as unidades do Sistema Penitenciário devem ampliar canteiros de trabalho, que quando possível, devem ser profissionalizantes, voltados para o aperfeiçoamento das qualificações do sentenciado.

JUSTIFICATIVA: As unidades penais não podem incentivar o ócio, a preguiça, a acomodação, o passar das horas imaginando estratégias de fuga, dias passados idealizando delitos para serem praticados interna ou externamente, de sorte que a política de ocupação do tempo ocioso deve envolver todos os setores das unidades penais, o DEPEN e a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania.

O trabalho, além de resultar na melhoria das condições de cumprimento da pena, amplia os horizontes, permitindo que o sentenciado se sinta capaz de prover o próprio sustento com o fruto de seu trabalho, contribuindo para a manutenção dos vínculos familiares, na medida em que permite que o preso siga contribuindo para o sustento da família, qualificando-o para o retorno à sociedade.”

(Segue).

René Ariel Dotti é advogado. Professor Titular de Direito Penal na Universidade Federal do Paraná. Co-redator do anteprojeto que se converteu na Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84). Detentor da Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007).

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