Através da Constituição Federal de 1988, o cidadão brasileiro conquistou um novo status, o de consumidor. De fato, o legislador constituinte reconheceu as profundas mudanças da relação existente entre os meios de produção organizados e toda a sociedade a quem, em última análise, os bens produzidos e os serviços prestados são destinados.

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Esta relação, que outrora era particular e artesanal, mudou drasticamente ao longo dos anos, principalmente com a revolução tecnológica do pós-guerra mundial, onde um sistema seriado e contínuo de produção, necessita que, cada vez mais, a população adquira e consuma o que produzido, em nome de um progresso que se acredita alcançar nesta equação.

Deste modo, não é inexato afirmar que, antigamente, eram as necessidades humanas que determinavam a produção de bens e a prestação de serviços mas, atualmente, muitas necessidades são criadas a partir de determinados bens que são produzidos ou serviços oferecidos e, pior, muitas vezes necessidades artificiais, supérfluas e arriscadas.

A edição da Lei n.º 8.078/90, que criou o Código de Defesa do Consumidor e regulamentou o preceito constitucional, representou uma ruptura no paradigma legislativo pátrio, até então vigente.

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Efetivamente, a lei consumeirista, partindo de um princípio essencial, qual seja, a hipossuficiência do consumidor, alterou toda a relação existente entre quem produz e quem adquire, evoluindo do conceito jocoso de ?freguês?, para o mais digno de ?cliente?.

Esta evolução foi notória e sensível: é a partir do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, que os produtos passaram a informar a data de validade para consumo, algo tão banal atualmente, mas que simplesmente não era considerado antes dessa legislação.

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Mais ainda, proliferaram os Procons, verdadeiras instituições de cidadania, onde o cliente encontra espaço e organização adequada para os seus reclamos. Se há alguma insatisfação com o seu funcionamento, a sua inexistência é inconcebível.

As empresas, sensíveis à mudança legislativa, passaram a considerar o público – alvo com mais respeito e atenção, tudo no intuito de evitar o peso da legislação, como também o rótulo negativo de um marketing às avessas. Assim, surgiram os Serviços de Atendimento ao Consumidor; as operações de recall, para substituição, sem ônus, de peças defeituosas que pudessem causar danos aos consumidores.

No âmbito processual, mudanças significativas visaram facilitar a proteção jurídica do consumidor, como o reconhecimento de legitimidade ao Ministério Público na defesa dos interesses dos consumidores; a responsabilidade objetiva, sem a necessidade de demonstração de culpa do fornecedor, para que este possa ser compelido ao ressarcimento dos prejuízos provocados pelos produtos; a inversão do ônus da prova, forma prática de facilitar a defesa dos interesses do consumidor em Juízo.

Uma legislação que revitalizou o papel do Juiz, autorizando-lhe o abandono do papel de mero ventríloquo da lei, para lhe outorgar uma posição mais ativa, podendo intervir nas relações contratuais e readequar a paridade, o equilíbrio, porventura desigualado.

Enfim, uma legislação de mérito inegável, mas que ainda está a exigir a necessária coragem de sua interpretação e aplicação pelos tribunais pátrios, como no caso das relações com os bancos. Mas isto é assunto para uma próxima abordagem.

Marcione Pereira dos Santos éadvogado e professor universitário em Maringá/PR.