A inoperância de procedimentos ordinários como vias de provimento jurisdicional célere e eficaz têm gerado discussão entre os processualistas pátrios, ao constatarem a realidade do judiciário. Verifica-se que o procedimento ordinário não mais tem se revelado apropriado à atender as necessidades dos jurisdicionados e a celeridade visada por estes.
Menciona o professor Ovídio Baptista que o processo ordinário possui fundamentos que estão ?associados à busca exaustiva da verdade?. Tal procedimento é demorado, e não tem atendido ao princípio da duração razoável do processo, tampouco o interesse do jurisdicionado, que não busca apenas a resolução de um conflito, mas que esta seja imediata, o que não retrata a realidade brasileira.
No mesmo sentido, a professora Ada Pellegrini Grinover entende que o procedimento ordinário adotado em nosso ordenamento, não tem sido adequado a fim de assegurar a tutela jurisdicional efetiva, sendo necessário a sua substituição por outros procedimentos mais adequados, assim como já há técnicas sendo aplicadas no direito comparado.
Na busca de procedimentos alternativos, a professora Ada, em conjunto com outros processualistas membros do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), elaborou um anteprojeto de lei sobre a estabilização da tutela antecipada.
Em síntese, o projeto propõe que, uma vez requerida a antecipação de tutela, em procedimento antecedente ou em curso, se a medida for deferida integralmente ou de modo parcial, surge um contraditório eventual, pois caberá ao demandado a inversão da iniciativa, em não concordando com a decisão prolatada. Poderá o demandado propor a ação de conhecimento – quando se tratar de antecipação em procedimento antecedente – ou requerer o prosseguimento da ação – quando a antecipação é concedida no curso do processo de conhecimento.
E, não se manifestando o demandado quanto à sua irresignação frente à decisão antecipatória, a tutela se estabiliza, adquirindo autoridade de coisa julgada. Indeferida a tutela, ou concedida parcialmente, cabe, por sua vez, ao demandante propor a ação de conhecimento, ou requerer seu prosseguimento.
O projeto de estabilização da tutela antecipada propõe uma consagração de um direito autônomo à tutela de urgência, o que não se pode negar que o sistema não abandonou a idéia de ordinariedade, mas condicionou-a a iniciativa da parte interessada.
O projeto mencionado possui uma visão moderna de tutela jurisdicional, segundo a qual o Estado concede a tutela e, apenas se a parte ex edversa verificar necessariamente que seu direito foi lesado, poderá se manifestar no sentido contrário à tutela concedida. Diferentemente do que ocorre no processo ordinário, o princípio do contraditório ao invés de ser prévio, durante o processo cognitivo, tornar-se-á diferido. O projeto de estabilização da tutela antecipada, com efeito, inova ao possibilitar o contraditório diferido. Ocorre, então, uma inversão do ônus da iniciativa do contraditório.
Verifica-se que o atual ordenamento processual ainda não se encontra em condições de proporcionar estas tutelas preventivas, antecipadas e estáveis, mas já está preparando a base para uma futura adoção destas, conforme se verifica com a recente adoção do artigo 285-A do CPC, que também consagra o contraditório diferido. Reza o instituto que na ocorrência de uma ação cuja matéria trate tão-somente de direito, não dependendo de produção de provas, poderá ser dispensada a citação do réu e proferida a sentença imediatamente.
Assim como propõe o Projeto da professora Ada Pellegrini Grinover, o instituto extraído do artigo 285-A, permite o julgamento antecipado em ações repetitivas, possibilitando ao demandado a sua defesa, apenas se este eventualmente restar prejudicado, e apenas em um segundo momento, após a fase cognitiva do lento procedimento ordinário. O contraditório diferido permite a posterior possibilidade do demandado se insurgir contra a decisão antecipada.
Ou seja, diferentemente do que atualmente promove o procedimento ordinário, possibilitando o contraditório prévio, a proposta do artigo 285-A como preparação do ordenamento às inovações do projeto de lei proposto pelo IBPD, é que futuramente a decisão antecipada do juízo em ações repetitivas seja considerada definitiva, e apenas em restando prejudicado o demandado, poderá ele apresentar seu contraditório.
Não se trata de supressão de instância, mas de implemento à celeridade processual. Parte da doutrina tem entendido o instituto inconstitucional por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que não procede, pois que o contraditório fica assegurado no caso de o demandante recorrer da decisão, hipótese na qual o réu será citado para responder ao recurso. Trata-se claramente de contraditório diferido.
Ainda, há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em trâmite desde Março de 2006, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ADI nº 3695, contra a Lei que acrescentou o artigo 285-A ao Código de Processo Civil. Para a OAB, a lei impugnada ofende os princípios constitucionais da isonomia, segurança jurídica, direito de ação, devido processo legal e contraditório.
A professora Ada Pellegrini Grinover sustenta que não há qualquer inconstitucionalidade no recém-criado artigo, pois o novo instituto não infringe nem o devido processo legal nem o contraditório, sendo este apenas diferido para o momento posterior à prolação da sentença antecipada, quando o autor pode recorrer e até o juiz pode rever sua decisão. Quanto ao réu, ele é beneficiado pela decisão e poderá contra-arrazoar o recurso e, se não houver recurso, será normalmente cientificado da decisão favorável.
Pode-se dizer que o projeto proposto pelos doutos processualistas, traz em sua essência uma revolução. Em sendo formalizado e aprovado, certamente poderá se dizer que haverá em nosso ordenamento, assim como já existe no direito belga e no direito francês, a possibilidade de um julgamento fundamentado em um juízo de verossimilhança e de probabilidade – antes necessariamente provisório – adquirir a imutabilidade que só era conferida aos julgamentos definitivos de mérito, o que será a grande possibilidade de implementar a celeridade na prestação jurisdicional em atendimento ao princípio da duração razoável do processo.
Cyntia Brandalize é graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba, pós-graduada em Direito Processual Civil pela PUC/PR e advogada.