A estabilidade no emprego do membro do conselho fiscal do sindicato

Em nosso artigo da edição de 8 de junho do caderno ?Direito e Justiça?, inserimos nota sobre ?a interpretação do TST?, pela Orientação Jurisprudencial 365, da SDI I, não reconhecendo aos membros do Conselho Fiscal do Sindicato a estabilidade no emprego fixada na norma constitucional do art. 8.º, VIII, à luz da interpretação conjugada da CF/88 e CLT (arts. 543 e 522). São considerados pelos ministros do TST ?fiscalizadores da gestão financeira do sindicato?, pois não ?representam ou atuam na defesa dos direitos da categoria?. Eis o que o texto constitucional afirma: ?é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei? (na mesma linha do art. 543, parag. 3.º, da CLT). A base principal da interpretação restritiva do TST está no parágrafo 2.º do art.522 da CLT. Naquela nota indagamos: ?E agora, José? perguntam-se os milhares de dirigentes sindicais conselheiros fiscais até então protegidos pela regra constitucional?.

Sentença do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho

A revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur), em artigo assinado por Priscyla Costa, divulga sentença do juiz do trabalho Grijalbo Fernandes Coutinho, da 19.ª Vara do Trabalho de Brasília, sobre a matéria, assinalando no texto de apresentação: ?O processo foi movido por ex-motorista de uma concessionária da Ambev, comprada por ela posteriormente. As duas foram acionadas após a demissão do empregado que tinha estabilidade por pertencer ao Conselho Fiscal do sindicato. Ao pedir o segredo de Justiça na ação, a Ambev alegou que existia cláusula de confidencialidade no contrato de compra da concessionária, que teve detalhes citados nos autos. Apesar de o pedido de sigilo se referir aos termos do acordo comercial entre a Ambev e a concessionária, que não estava em discussão na ação, o juiz Grijalbo Fernandes Coutinho rejeitou a preliminar. Grijalbo considerou que só deve existir segredo de justiça nos processos sobre separação, divórcio, pensão alimentícia e guarda de menores. ?Não me convenço do segredo de justiça nem mesmo na hipótese de a questão estar relacionada ao mercado financeiro e aos investidores?, considerou. Para Coutinho, deixar o processo correr em segredo de Justiça ?esvaziaria o conceito de Estado Democrático de Direito?. O juiz chamou o segredo de Justiça de ?cadeado? e afirmou que a ferramenta serve ?para aniquilar o interesse público, os desejos e aspirações da sociedade, preponderando, de maneira absolutamente inqüestionável, os conchavos construídos por empresários, banqueiros e agentes políticos.? ?A censura, com aval do Poder Judiciário, pode proteger os mais diversos interesses, menos o do conjunto da sociedade?, disse o juiz na sentença. Como a preliminar foi rejeitada, o juiz pôde analisar o processo. Ele reconheceu que houve sucessão trabalhista, o que justifica obrigar a Ambev a arcar com a condenação trabalhista e entendeu que o empregado, como fiscal de sindicato, tinha direito a estabilidade, portanto à reintegração ao emprego. ?Em nome da liberdade sindical contemplada na garantia de emprego aos líderes de classe, tenho que o membro do Conselho Fiscal deve usufruir das mesmas garantias conferidas aos seus colegas de Diretoria, não só porque Diretoria e Conselho formam um corpo único na defesa das bandeiras sociais de maior envergadura, sujeitos, assim, a idênticas pressões e retaliações, como também ocupam as lideranças dos trabalhadores posições cercadas de legitimidade e representatividade?, afirmou o juiz. A Ambev ainda pode recorrer da decisão?. Na sentença, depois de examinar as questões relacionadas com o segredo de justiça e questões de legitimidade processual e sucessão de empresas, o juiz Grijalbo Fernandes Coutinho adentra o mérito da estabilidade do dirigente sindical membro do Conselho Fiscal do Sindicato. Extraímos da sentença alguns pontos fundamentais.

Os fatos

?Assevera o obreiro que em 9 de janeiro de 2007 foi eleito Presidente do Conselho Fiscal do seu Sindicato de Classe para cumprir mandato de 3(três) anos, prorrogável par mais 1(um) ano, cuja posse se deu em 26 de fevereiro de 2007. Diz o reclamante que foi imotivadamente dispensado em 10 de outubro de 2007, mediante cumprimento do aviso prévio até o dia 1.º de novembro de 2007, embora fosse detentor de estabilidade provisória no emprego, na forma artigo 8.º, VIII, da Constituição Federal, e do artigo 543, parágrafos 3.º e 5.º, da CLT, motivo pelo qual pretende ser reintegrado aos quadros da segunda reclamada. Em absoluta harmonia, as reclamadas declaram que o autor, na qualidade de membro do Conselho Fiscal, não é detentor de estabilidade no emprego (artigo 522, da CLT). E ainda que o fosse, dizem as empresas, o empregado teria perdido a garantia em face da extinção da primeira reclamada, no ramo da atividade para o qual o empregado desenvolveu suas funções e foi eleito para ocupar cargo sindical. Penso de forma diferente sobre o assunto. E algumas das minhas razões para assim concluir foram reveladas em audiência, quando mantive a decisão que antecipou os efeitos da tutela, cujos termos são reiterados:

Antecipação de tutela

?Observando a ata de eleição de fls 35/36, constato que o reclamante foi eleito para exercer o cargo de Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Distribuidoras de Bebidas no Distrito Federal.A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, ao longo de mais de 60 anos de vigência, tem recebido acusações das mais diversas ordens por parte de empregadores e, algumas vezes, pelas próprias lideranças dos trabalhadores. É certo que o diploma legal referido representa uma conquista civilizatória da classe trabalhadora brasileira, a ponto de, 60 anos após a sua edição, o parlamento brasileiro não ter conseguido aprovar medidas de maior relevância, no campo trabalhista. Portanto, do ponto de vista do direito individual do trabalho, a velha CLT é um marco para os trabalhadores brasileiros.

Por outro lado, no que se refere ao direito coletivo e à liberdade sindical, algumas críticas feitas à CLT são justas, especialmente quanto ao capítulo que trata da organização sindical, demasiadamente estatal num campo em que as disputas devem ser resolvidas a partir da efetiva correlação de forças na relação entre o capital e o trabalho. Dentro de tal contexto, registro que o número de diretores, inicialmente fixado pela CLT, para fins de estabilidade sindical, sem nenhuma dúvida, ofende o princípio da liberdade que deve ser conferida às entidades de caráter coletivo Em certa medida, a Constituição Federal de 1998 rompeu com alguns paradigmas equivocados da organização sindical brasileira, embora não tenha eliminado resquícios de períodos ditatoriais do Estado brasileiro, citando-se, como exemplo, a manutenção do imposto sindical e da unicidade compulsória.O mais relevante, no entanto, foi a liberdade sindical ali anunciada como princípio, posicionamento em perfeita sintonia com as normas internacionais do trabalho editadas pela OIT.

É por essa razão, em rápidas palavras, que devo concluir que o empregado eleito para o exercício do cargo de Presidente do Conselho Fiscal de determinada entidade é representante sindical e, nessa qualidade, usufrui as mesmas garantias conferidas aos demais dirigentes. É o inciso VIII, do art. 8.º, da CF, que assegura tal estabilidade aos empregados ocupantes de cargos de direção ou de representação sindical.Como posso concluir que alguém legitimamente eleito pela categoria, ainda que para cargo do Conselho Fiscal, não é representante sindical?

É o princípio da absoluta liberdade sindical, que apenas sofre eventual restrição em caso de abusos, que assegura ao membro do Conselho Fiscal estabilidade no emprego para que possa exercer as suas relevantes funções sem qualquer tipo de ingerência patronal. Com todo respeito, ainda que ao membro do Conselho Fiscal seja atribuída como função precípua a verificação da regularidade ou não das contas do sindicato, o fato é que ele integra uma entidade para examinar tal regularidade, sem prejuízo da efetiva participação em outras tarefas próprias do sindicato, sem desprezar o fato de que na ausência da estabilidade, também não teria a liberdade para sequer emitir parecer sobre as contas de sua entidade, sem qualquer pressão, oriunda do empregador ou mesmo dos demais dirigentes.

Respeitando eventual posicionamento em sentido contrário do col. TST, em nome do princípio da livre convicção e da independência jurisdicional, considero que o membro do Conselho Fiscal é, no mínimo, representante sindical. Aliás, na verdade, o considero dirigente sindical. Mas aqui, devo registrar, limito-me a observar a garantia conferida aos representantes sindicais pelo inciso VIII, do art. 8.º, da CF.Mantenho, o despacho de fls 39/41, porque, num juízo preliminar, típico desse tipo de avaliação, tenho o reclamante como representante sindical regularmente eleito pela categoria profissional, sendo assim detentor da estabilidade conferida pela representação do povo na constituinte de 1986/88?.

A interpretação constitucional

?A Constituição Federal explicitou que a estabilidade provisória no emprego é assegurada ao ocupante do cargo de direção ou de representação sindical (CF, artigo 8.º, VIII). Mesmo numa interpretação restritiva de que é dirigente sindical apenas o empregado eleito para o exercício do cargo na Diretoria, desprezando, portanto, a feição política das entidades criadas por trabalhadores para a defesa de seus interesses de classe, não consigo conceber a idéia de que o membro do Conselho Fiscal sequer é representante sindical. Representa alguém ou determinado conjunto de pessoas toda e qualquer pessoa investida de mandato para tanto. O reclamante, Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato de sua classe profissional, foi eleito para, em tal instância, representá-la, ainda que a sua missão precípua, do ponto de vista formal, esteja vinculada ao exame da regularidade das contas administradas pelos seus colegas de profissão e de sindicato.

Representação sindical

Ora, exerce o reclamante cargo de representação sindical, na condição de representante de todos os trabalhadores perante o Conselho Fiscal, merecendo ele a proteção da garantia de emprego contra todas e quaisquer ingerências no desempenho do seu mister, muitas vezes oriundas do próprio empregador no embate natural travado reiteradamente com o sindicato obreiro. Sem essa garantia própria de qualquer relação minimamente democrática entre o capital e o trabalho, estou certo de que haveria uma vulnerabilidade capaz de afetar o princípio da liberdade sindical. A interpretação teleológica da norma constitucional recepcionadora deste princípio resulta no oferecimento daquela proteção aos trabalhadores eleitos para gerir o Sindicato obreiro, sejam eles diretores ou membros do Conselho Fiscal, além dos representantes em Cipas e outras comissões. Não deve ser relegado o papel ativo dos membros do Conselho Fiscal nas mais variadas tarefas sindicais, sujeitos, assim como os demais colegas eleitos para dirigir as entidades de trabalhadores, às represálias patronais e às ameaças relacionadas ao rompimento dos contratos de trabalho. A estabilidade no emprego conferida aos dirigentes e representantes sindicais tem natureza de garantia coletiva, possibilitando o exercício, pelos líderes sindicais assim reconhecidos, de relevantes funções sem as constantes ameaças patronais.

Normas da OIT

No panorama das Normas Internacionais do Trabalho, a Convenção n.º 98 da OIT, declarada como Fundamental e ratificada pelo Brasil, anuncia que ?os trabalhadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos atentatórios à liberdade sindical em matéria de emprego? (artigo 1.º) e que ?as organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra todos e quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração?, tudo no contexto do Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva.

Conceito burocrático

As balizas limitadoras da CLT previstas na Seção ?Da Administração do Sindicato? encontram-se em descompasso com a liberdade e autonomia sindicais consagradas no artigo 8.º, da Constituição Federal, sendo certo que não cabe ao poder público, nem mesmo pela ação do legislador ordinário, interferir na organização sindical para delimitar o número de dirigentes ou estabelecer condutas de administração. Por outro lado, a questão do número de diretores, com o propósito de assegurar a estabilidade no emprego, tem que ser vista a partir da efetiva necessidade dos referidos entes, evitando-se, assim, a figura do abuso de direito. Presidente do Conselho Fiscal do Sindicato de sua classe profissional, eleito para representá-la após processo democrático e regular, o reclamante não é apenas o fiscal dos atos financeiros de seus companheiros de Diretoria. A dimensão desse tipo de representatividade política transcende ao conceito meramente burocrático imaginado pelos atores distantes da realidade sindical do país.

Em nome da liberdade sindical

Em nome da liberdade sindical contemplada na garantia de emprego aos líderes de classe, tenho que o membro do Conselho Fiscal deve usufruir das mesmas garantias conferidas aos seus colegas de Diretoria, não só porque Diretoria e Conselho formam um corpo único na defesa das bandeiras sociais de maior envergadura, sujeitos, assim, a idênticas pressões e retaliações, como também ocupam as lideranças dos trabalhadores posições cercadas de legitimidade e representatividade. Detentor de estabilidade no emprego (CF, artigo 8.º, VIII), o reclamante não pode ser dispensado antes do prazo estipulado pela norma constitucional. Como mera conseqüência, declaro a nulidade do ato empresarial voltado para o término do contrato de trabalho, cabendo a reintegração obreira aos quadros da segunda reclamada, Ambev, sucessora da primeira, Sobebe. Mantenho a antecipação dos efeitos da tutela. A reintegração obreira mantém intacto o contrato de trabalho, devendo a empregadora providenciar o pagamento dos salários do período do afastamento, a cesta básica e o auxílio alimentação, além de outras vantagens, respeitando, pois, todas as condições de trabalho. Pleito deferido. (Grijalbo Fernandes Coutinho, Juiz Titular da 19.ª Vara do Trabalho de Brasília/DF – Processos: 01278?2007-019-10-00-9 e 01208-2007-019-10-00-0)?.

Edésio Passos é advogado.
edesiopassos@terra.com.br

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