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Após mais de um ano da promulgação da legislação que instituiu a guarda compartilhada no ordenamento jurídico, pode-se dizer que nesse período o comportamento do Judiciário ainda foi tímido.

O requerimento da guarda compartilhada por consenso entre as partes, mesmo antes da existência dessa legislação específica, já era muito freqüente nos processos de separação amigável, fazendo-se constar no acordo uma cláusula que garantisse aos genitores a convivência e o “compartilhamento” de decisões relacionadas à educação, saúde e bem-estar de seus filhos.

Afinal, esse “compartilhamento” é a verdadeira raiz do regime, uma responsabilização conjunta dos pais, sem distinção, no exercício do Poder Familiar, cabendo tanto ao pai quanto à mãe levar o filho ao colégio, ao médico, ir às reuniões de professores, decidir sobre mudança de escola etc.

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Como já se esperava, a inclusão de cláusula específica de guarda compartilhada nos acordos se fortaleceu com a entrada oficial do regime. Porém, ao lado desse fato, uma série de problemas começou a surgir na aplicação efetiva, ou execução, desses direitos e deveres.

O que muito se vê, atualmente, são mães que, detendo a guarda unilateral dos filhos, temem que os ex-maridos ou ex-companheiros tenham passado a se sentir “fortalecidos” com a introdução da guarda compartilhada.

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Em alguns casos, passam até a ter o receio de serem ameaçadas ou chantageadas com eventual diminuição de convivência com as crianças. E é exatamente neste ponto que se inicia uma série de confusões. Em primeiro lugar, guarda compartilhada não se confunde com guarda alternada.

A guarda alternada pressupõe, como a própria denominação diz, uma alternância de locais para exercício da guarda, por parte de ambos os genitores, já que a criança passa, por exemplo, três dias da semana com um deles e quatro com o outro.

Como se denota, é uma espécie de guarda compartilhada, já que tanto o pai quanto a mãe, por passarem praticamente o mesmo período de tempo com o filho, acabam por se responsabilizar, em igualdade de condições, pelo exercício do Poder Familiar.

A guarda alternada, no meu ponto de vista, é extremamente nociva ao desenvolvimento do menor. A criança, sobretudo a de pouca idade, fica sem referência de residência.

Não sabe onde mora. Divide-se entre duas rotinas e dois sistemas de vida diferentes. Passa alguns dias seguidos sob o manto dos hábitos, alimentação e horários da mãe, e depois é introduzida em outro ambiente com o pai. A situação agrava-se ainda mais quando um dos genitores já estabeleceu outra união, muitas vezes com novos filhos e/ou enteados.

Com o passar do tempo, os prejuízos vão se acumulando, o que muitas vezes culmina em novas discussões jurídicas entre os pais, desta vez por conta das diferentes formas pelas quais a criança está sendo educada.

O espírito conciliador do casal, outrora existente para a celebração do acordo, dá lugar a incessantes acusações, críticas e agressões emocionais. E a moeda de troca, lamentavelmente, é sempre a criança.

Por outro lado, a guarda compartilhada, sem alternância de moradias, pode ser bem interessante, desde que corretamente implementada e executada. A premissa deve ser, sempre, a existência de uma residência fixa. A criança sabe onde mora e refere-se à “minha casa” com sustentabilidade, embora possa ter muitos períodos de convivência com o outro genitor.

Além disso, para que seja bem-sucedida, e para que se evitem disputas judiciais, a guarda compartilhada pressupõe a ausência de litigiosidade entre os pais. Deve existir diálogo, harmonia, um mínimo de entendimento. Acima de tudo, inteligência emocional.

Ao contrário do que muitos podem pensar, a situação descrita acima não é ilusória. Não são incomuns casais que se separam pela falta de amor, que não guardam ódios, rancores ou mágoas capazes de minar uma relação que pode continuar sendo civilizada, desde que objetivem, sobretudo, o bem de seus filhos.

O papel dos profissionais da psicologia, ao lado dos advogados, nas disputas judiciais por guarda e visitas de filhos menores, torna-se imprescindível em inúmeros casos.

A prova pericial traz à tona quais serão as melhores condições para aquela criança, o que é melhor para sua saúde, educação e segurança. Só a atuação do advogado não consegue, por sua natureza, esgotar todas as possibilidades de solução e entendimento que, muitas vezes, têm que ser exploradas. Daí ser fundamental um trabalho interdisciplinar.

Nessa direção, a guarda compartilhada, na sua mais pura essência, por envolver aspectos jurídicos e psicológicos, precisa ser entendida como um bem à criança. Caso contrário, se for forçada, imposta, ou decretada judicialmente à revelia dos interesses do menor, tende a ser danosa. E, por envolver a dignidade e ética dos pais, deve estar embasada, acima de tudo, no afeto.

Fernanda Hesketh é sócia e advogada de Direito de Família e Sucessões.

fh@rnaves.com.br