A morte da ex-primeira-dama Ruth Cardoso, esposa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, provocou uma reação singular na cada vez mais obtusa classe política brasileira. Não só houve respeito e elogios a dona Ruth, mas também ouviu-se reverências ao trabalho dela -não apenas dos partidários de FHC, e sim de políticos de todas as tendências. É a prova da importância da doutora, professora e socióloga que redefiniu a função de primeira-dama no Brasil.
Até Ruth Cardoso, as primeiras-damas tinham um trabalho subalterno – algumas por preferirem evitar a presença pública, outras justamente para aparecer. O exemplo clássico foi a então esposa do presidente Fernando Collor de Mello, Rosane, que quis porque quis ser a presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e acabou saindo arranhada por denúncias de corrupção.
Dona Ruth chegou ao ?poder? com seu marido Fernando Henrique em 1995. E era a primeira vez que a esposa do presidente tinha tanto (ou até mais) respaldo intelectual quanto o mandatário da nação. Começou dando algumas declarações fortes (criticando o PFL, hoje Democratas), mas depois preferiu agir nos bastidores e, mais tarde, no projeto Comunidade Solidária.
Ela foi um referencial para FHC. Sem se curvar ao discurso e aos métodos rasteiros da política – coisa que seu marido foi obrigado a fazer -, dona Ruth era a ?consciência crítica? do governo tucano, com uma visão mais à esquerda do que caminhava Fernando Henrique. Isto ficou claro no Comunidade Solidária, projeto defendido por ela com unhas e dentes e que foi fundamental para o sucesso estrondoso do Fome Zero do presidente Lula – fato que, por sinal, pouco é lembrado.
É por manter sua consciência política em todos os momentos, quando era primeira-dama ou quando tinha suas contas vasculhadas pelos ?bancos de dados? da atualidade, Ruth Cardoso sempre teve o respeito de todos da mesma forma que tinha quando era uma das grandes cabeças da Universidade de São Paulo. Dona Ruth fará falta.