A programação de canais de televisão está repleta de promoções e até sorteios cuja divulgação simula gratuidade. Por exemplo, ganhar um carro de luxo acertando o menor lance único ou responder a perguntas aparentemente simples e assim ganhar prêmios tentadores (a modalidade de sorteio é a menos utilizada, mas também ocorre). Para participar, normalmente o consumidor não precisa adquirir qualquer produto, mas simplesmente entrar em contato via telefone ou outro meio de comunicação e, no máximo, formular uma frase ou responder perguntas ou, ainda, arriscar algum palpite. O fato é que, de forma enganosa, a maioria destas promoções busca induzir que o simples participar leva a ganhar, não informando exata e completamente de que depende o consumidor para ser premiado. Mais precisamente, a insinuação de gratuidade, perfaz-se através da dissimulação ou omissão quanto às verdadeiras condições e os custos para o consumidor. Para as pessoas mais humildes tem sido difícil compreender que as ligações telefônicas para concorrer terão de ser pagas em preço consideravelmente maior, exatamente para custear os prêmios prometidos e o enorme ganho dos promotores destas atividades. Aproveitar-se dessa condição de inferioridade cultural destes consumidores e assim auferir vantagem em atividade que não deixa de ser assemelhada a uma espécie de jogo de azar, por evidente, fere princípios elementares adotados pela legislação pátria para a proteção dos consumidores. Observe-se, inclusive, que mesmo quando o consumidor toma consciência de que ao concorrer irá, indiretamente, pagar muito além do valor da ligação normal, é preciso ser um perito em datiloscopia para, nas letras minúsculas contidas nos anúncios, conseguir identificar o preço da ligação e de quanto é este valor adicionado para custear a promoção e os ganhos dos promotores dela. Note-se, igualmente, que em meio à população existem apostadores/jogadores compulsivos que podem ser incitados a buscar participar indefinidamente, gastando muito além do que podem pagar e depois sofrendo conseqüências pessoais e que se espraiam para o restante da família. Até crianças podem fazer ligações e de forma inocente proporcionar gastos difíceis de serem adimplidos, sendo que depois a companhia telefônica cobrará sem qualquer perdão, sob o argumento que os pais tem o dever de vigilância sobre o aparelho telefônico, mesmo quando não estão perto dele. E mais, no que refere aos custos, a ligação para um número 0900 – que muito se assemelha ao 0800 que é gratuito comumente pode enganar menores e pessoas menos esclarecidas que acreditam não ter de pagar para participar da promoção.
Num país em que se proíbe os bingos, jogo do bicho, caça-níqueis e assemelhados, é contraditório permitir este tipo de atividade em que existem expedientes pautados pela falta de correta informação e clara exploração da credulidade das pessoas, principalmente as mais humildes.
É importante consignar que a existência de registro da promoção na Receita Federal não autoriza presumir que esteja sendo respeita completamente a legislação. A adequada informação e a educação para o consumo e suas conseqüências, consoante o previsto na Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é dever do fornecedor e isto não está sendo cumprido. E desta responsabilidade não se isente qualquer dos envolvidos na cadeia de fornecimento formada para a promoção. A responsabilidade deve ser solidária, incluindo aqueles que tomaram a iniciativa de realizá-la e ocupam o tempo ou o espaço necessário aos anúncios, o veículo de imprensa escrita, falada ou televisiva que é utilizado; o vendedor/fornecedor do prêmio caso ele se beneficie associando-se a promoção e até o artista que vincula sua imagem para induzir mais consumidores a participar. Inclusive, os avisos regularmente veiculados na televisão de que o programa é ?uma produção independente, sob única e exclusiva responsabilidade daqueles que compram o horário?, revela-se inócuo no que refere a afastar esta responsabilidade. Em primeiro lugar, tendo em vista que serviços sob concessão (jornal, rádio e televisão) estão sujeitos a regulação estatal, havendo um dever inafastável de qualidade em prol do cumprimento de sua função social. Assim, os canais de televisão, por exemplo, não podem abrir seu espaço para veiculações que desrespeitem direitos da população, segundo o previsto em normas de ordem pública e interesse social, como é o Código de Defesa do Consumidor. Em segundo lugar, considerando que quem aufere o proveito deve assumir o risco e ser responsabilizado, isolada ou solidariamente, pelos desrespeitos aos direitos dos consumidores. Os princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão não representam salvo conduto para estas práticas irregulares.
Não se espere que estes agentes econômicos se disciplinem por consciência, responsabilidade social ou mesmo pela auto-regulação. Havendo tolerância (principalmente das autoridades) estas promoções desvirtuadas persistirão. Assim, sem representar qualquer postura antidemocrática, com base no previsto no inc. II, do art. 4.o, do CDC, que impõe ao Estado a ação governamental no sentido de estar presente no mercado de consumo e proteger efetivamente o consumidor, as autoridades constituídas já deveriam ter tomado providências para coibir estas práticas deturpadas. E, de forma independente, também as associações e entidades dedicadas à proteção dos interesses dos consumidores precisam tomar iniciativas contra tais práticas, pois já existem canais cuja programação está quase que unicamente se resumindo a estas promoções eivadas de procedimentos irregulares, em prejuízo de um número elevado de pessoas que delas participam.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.