A questão básica que pretendemos analisar em linhas muito singelas diz respeito à nobreza da profissão de advogado, a responsabilidade de ser um operador do Direito que precisa ser preservado no exercício de sua atuação profissional.
A revista Consulex n.º 128 de 15/5/2002, traz interessante matéria, da maior importância e atualidade, ao perguntar: Como pode um cliente expor os seus problemas a um advogado, quando não tem a garantia do sigilo? Essa frase na verdade é um questionamento adotado pelo ilustre advogado e respeitado presidente da OAB-SP, Carlos Miguel Aidar, que saiu em defesa da classe a propósito de debates com a direção da Coaf – Conselho de Controle de Atividades Financeiras -, órgão especial de inteligência, ligado ao Ministério da Fazenda.
É preciso reconhecer que hoje, para ser advogado, o bacharel em Direito tem de concluir um curso com duração mínima de cinco anos e por força dessa titulação já podem se candidatar a um número elevado de funções, nem sempre burocráticas, exatamente todas aquelas que estão fora do controle da Ordem dos Advogados do Brasil, que como o próprio nome indica, cuida apenas dos advogados.
E para ser advogado, além do curso de Direito, tem que se submeter aos rigores do imprescindível Exame de Ordem, e após ser aprovado, é aceita sua inscrição, quando então passa a ficar sob a rigorosa fiscalização do acatado Tribunal de Ética, que vem funcionando cada vez melhor.
Mas o sigilo profissional, a manutenção do segredo, e a completa autonomia, traduzida pela total independência funcional, constituem pilares mestres do exercício da advocacia que deve impor e merecer respeito.
Não se tratam pois de profissionais desligados da realidade social, do respeito às leis, e subordinados também a uma instituição que nos dias atuais merece dignidade constitucional como a Magna Carta nos contempla no artigo 133, pela vez primeira em toda a história do constitucionalismo do país.
Veja-se que apesar de tímidas já surgem algumas garantias funcionais para preservar o exercício dos profissionais da advocacia, quando se encontra no artigo 207 do Código de Processo Penal, esta sólida regra que estabelece claramente:
“Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”
Esse dispositivo da lei processual penal, hoje comparativamente tem um artigo similar no processo civil, no artigo 347, inciso II, assim redigido:
“Art. 347. A parte não é obrigada a depor de fatos:
I – criminosos ou torpes que lhe forem imputados;
II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.”
E fechando completamente o sistema adotado pelo Direito positivo brasileiro, encontramos no artigo 154 do Código Penal, o crime de: VIOLAÇÃO DO SEGREDO PROFISSIONAL, nos seguintes termos:
“Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem.
Pena – detenção de 3(três) meses a 1 ( um) ano, ou multa.
Parágrafo único. Somente se procede mediante representação.
Depreende-se já nesse primeiro momento, que as atividades onde seus profissionais laboram com segredos, que a lei lhes resguarda a obrigação de não serem punidos, exatamente, pelo preciso cumprimento de sua atuação profissional, pois que, são merecedores do respeito que a própria lei cuida de lhes atribuir.
De um modo geral a doutrina considera pessoas que devam guardar segredo profissional, 1) aquelas que estão previstas em textos de lei; 2) previstas nos estatutos ou regulamentos que organizam ou disciplinam o exercício de determinadas atividades; 3) aquelas cuja natureza da especial da própria atividade assim exige função( encargo em virtude de lei, decisão judicial ou contrato, como tutor, curador, diretor de empresa, etc.) ministério (encargo em atividade religiosa e social – sacerdotes, freiras, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras) ofício (atividades remunerada predominantemente mecânica).
A razão é a própria confiabilidade que os profissionais dessas áreas especializadas necessitam para bem exercer suas respectivas profissões, segundo o panorama atual da ciência contemporânea.
Há um lídimo interesse público que o segredo profissional seja respeitado pelas instituições que eventualmente trabalham no serviço público, não havendo sequer a possibilidade de se confrontarem o interesse público e o interesse do particular, numa disputa ocasional.
É texto da admirável da Constituição Federal, que no art. 133 estabelece que o Advogado “é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”, importante texto que não deixa margem a dúvidas quanto a estes aspectos particulares da atuação do profissional da advocacia.
Na linha desse entendimento, o Estatuto da Advocacia, a correta Lei n.º 8.906/94, fixa em termos bem nítidos que no seu ministério privado, o Advogado presta serviço público de natureza relevante e exerce uma verdadeira função social( art. 2.º , § 1.º).
Os termos são bem amplos e dão o significado preciso que a advocacia exerce numa sociedade civilizada, o serviço público relevante, ao defender a correta incidência da Lei, qualquer que ela seja, lutando para que prepondere o normativismo jurídico vigente entre nós, e a sua função social, no aconselhamento das pessoas e na tomadas da decisões que não firam, nem prejudiquem interesses e direitos de terceiros, atuando como se fosse o primeiro e efetivo juiz da causa.
Para propor ou contestar ação é preciso ter interesse econômico ou moral, com o que a legislação, visa impedir as aventuras judiciais, tão depreciativas; que bem refletem um ônus do atuar deste profissional, que assim merece o respeito de todos, pela contínua luta de aperfeiçoamento do Poder Judiciário, que passa a integrar pelo quinto constitucional, quer pelas suas manifestações laborais que visam a paz social, daí o interesse público, primário e preponderante que bem caracteriza as suas nobres atuações. Por isso ele ganha honorários, que do latim derivam de “honor” que se refere à honra, a dignidade e ao decoro.
Além disso, deve pautar-se por um comportamento profissional e social, discreto, pois que o Código de Ética, prescreve claramente no seu artigo 5.º: “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”, vale dizer essa é uma exigência ética, que não a encontramos amiúde em outras profissões, pois que proíbe, veementemente, os exibicionismos, a autopromoção que tanto ferem o decoro da nobre classe.
Não podem ainda, tentar o golpe baixo da captação da clientela, pela publicidade e falsa notoriedade, pois que no mesmo Código de Ética, se prescreve ainda: ” É vedado o oferecimento de serviços que impliquem, direta ou indiretamente, vinculação ou captação de clientela.”
Esse verdadeiro código de conduta moral, que é o Código de Ética, tem sido apreciado e discutido ao longo dos anos, merecendo excelente demonstrações de apreço e correta hermenêutica de suas finalidades, sendo oportuno transcrever-se ao ensinamento de Adilson de Abreu Dallari, falando a respeito de licitações e contratos, quando se refere a limitações ético-profissionais em matéria pública, lecionando com absoluta clareza:
“(…) no caso da contratação de profissionais do Direito ou da execução de serviços profissionais privativos de advogado devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, surgem algumas peculiaridades impeditivas da concorrência derivadas da legislação disciplinadora do exercício profissional.
… Mesmo que se tenha de proceder a uma comparação entre diversos advogados, é impossível a realização de qualquer modalidade licitatória na qual o menor preço seja ou possa ser o fator de julgamento.(aut. Cit. Contratação de serviços de advocacia pela administração pública. in – Licitações e contratos administrativos: temas atuais e controvertidos. Coordenadores: Armando Verri Jr., Antonio Tavolaro e Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo, Ed. RT, 1999, p. 23ª.
Em resumo, fiados no entendimento supra transcrito, fica bem patenteado que a profissão de Advogado, é uma das mais elevadas a partir do seu próprio Código de Ética, pois este visa uma atuação que seja em tudo conforme aos bons princípios da moral.
Impede-se a captação de clientela, as condutas mercantilistas, os procedimentos de má-fé, e o aviltamento dos honorários profissionais, tipo disputar o menor preço, quebrando o princípio básico e fundamental que é a confiança mútua que deve reinar entre o profissional e seu cliente, a fim de que se possa merecer a livre escolha.
Enfim, parece-nos inteiramente inviável uma licitação para a contratação de advogado militante, pelo menos para aqueles que honram o seu Código de Ética, e se comportam por ele; dada a impossibilidade de disputar o menor preço, e ostentar a menos valia ou de confessar-se adepto do desprendimento do estoicismo.
Aos outros operadores do Direito, cabem preservar e fazer respeitar esses sagrados mandamentos, pois a advocacia é plena de verdadeiro interesse público preponderante, e é essa importante atividade advocatícia, que merece as prerrogativas do sigilo profissional, da sobriedade de conduta e de procedimentos que a tornam uma das profissões das mais dignas e éticas, sem falsos e pseudos maniqueismos ou estoicismos.
Nilton Bussi
é advogado e professor da UFPR.