Marta Morais da Costa

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Átila Alberti/O Estado
A imagem só terá vigor quando as palavras faltam. E, como sabemos, as palavras faltam e muito nos livros infantis.

Após citar Bacon, ?Knowledge and power meet in one? (?Conhecimento é poder?), Roberto Romano em artigo recente, de 29 de outubro passado, conclui: ?Nações que têm o Estado democrático de Direito e não podem contar com saberes avançados recebem papel subalterno na ordem mundial.? A indissociabilidade conhecimento-poder propõe reflexões numerosas. Uma delas diz respeito, sem dúvida, à produção dos ?saberes avançados? e, por conseqüência, a discussão do papel da escola no estágio anunciado já há algum tempo, e localizado no século XXI, que é o da ?sociedade do conhecimento?, para alguns a marca desse novo tempo.

O século XX, não tão distante, ficou marcado pela cultura da imagem e do espetáculo, a ponto de Guy Debord tratar dele exclusivamente em A sociedade do espetáculo. Sem querer escravizar o pensamento ao passado, mas retornando a ele para pensar melhor o presente, não se pode esquecer o quanto as linguagens visuais se tornaram material didático de uso constante. A publicidade, o cinema, a televisão, o computador e todos os recursos tecnológicos, que possibilitaram sua materialização em sala de aula, hoje fazem parte da rotina escolar.

Reconheço meu precário conhecimento sobre o assunto de que vou tratar hoje, mas me proponho, como sempre, ao diálogo e à aprendizagem. Quero tratar aqui da materialização dessa força imagética e comunicativa na produção de livros, em especial os endereçados a jovens e crianças, que é a ilustração.

Vivo uma santa inveja dos leitores de hoje diante da oferta extraordinariamente rica e, por vezes, enriquecedora dos livros ilustrados, que faz circular por livrarias, bibliotecas e escolas um sem fim de técnicas, materiais, formas, texturas e cores. Penso como seriam rejeitados na atualidade os pouco atraentes livros em preto e branco que formavam a pobre biblioteca de meu tempo de criança. Não pretendo afirmar que a ilustração em preto e branco seja inferior. Gustave Doré, Voltolino e os xilogravuristas do cordel se sentiriam ofendidos, e com razão! No entanto, sem medo de errar, posso considerar que não havia, ainda, na produção livreira para crianças e jovens, anterior aos anos 1970, a obsessão pela imagem colorida acompanhando o texto na dimensão e proporção existentes na atualidade. Em tal intensidade essa obsessão se manifesta que uma criança (e o adolescente formado a partir dessa criança) busca de imediato e sempre a empatia com as imagens para selecionar os textos que irá ler. Pais e professores aprenderam que não se trata apenas de atração para os olhos. A busca das imagens tornou-se uma justificativa poderosa para ler menos porque quanto maior for o número e tamanho das figuras, menor a quantidade do texto a ser lido.

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Retifico: pais e professores não aprenderam. Ensinaram pela supervalorização, implícita ou explícita, que as imagens são bonitas e auto-explicáveis, e que são elas que justificam o prazer de ler. Mais ainda: por acreditarem no truísmo de que uma imagem vale mais que mil palavras, ao supervalorizarem a ilustração, causaram o atrofiamento na capacidade de compreender o verbal. Na atualidade, imagens substituem palavras, relegadas por serem difíceis, incômodas em sua natureza semântica fluida, o que obriga o leitor à tarefa difícil de interpretar (o que exige maior esforço).

Não escreva, desenhe! Não leia, veja! Estes parecem ser os imperativos dominantes. O melhor livro é o de maior quantidade de ilustrações: este tornou-se o critério de julgamento da qualidade literária. No entanto, assim como a língua verbal, as imagens possuem qualidades estéticas, ou não. Da mesma forma, o olhar que se debruça sobre a imagem pode estar circunscrito e limitado pela redundância e estandardização da linguagem visual, como pode se refazer continuadamente em busca de uma nova maneira de ver. Quanta descoberta e maravilhamento num filme como Janela da alma, de João Jardim e Walter Carvalho, e quanta repetição nos edulcorados filmes sentimentais de Holywood ! O quanto desafia nosso olhar o planejamento gráfico e ilustração dos melhores livros de Bartolomeu Queirós e o quanto nos cansa a reprodução figurativa de gentes e bichos na maior parte dos livros infantis!

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Em palestra no mês de setembro, por ocasião do SABERES, Ricardo Azevedo demonstrou de maneira incontestável como a arte dos museus, da Antigüidade à contemporaneidade, chega ao livro infantil e juvenil. Os mesmos procedimentos criativos, a igual compreensão da finalidade e concepção de arte vigora em alguns trabalhos de Ângela Lago, de Roger Melo, de Márcia Széliga, de Ruy Oliveira, e do próprio Ricardo Azevedo, para citar apenas uns poucos.

No entanto, a escola de um modo geral ainda prefere a ilustração com técnicas quase fotográficas, que representem de modo realista os seres designados pelo texto verbal, numa contínua redundância. A formação deficitária dos professores com relação à aprendizagem visual contribui para a mesmice das representações visuais dos alunos e da incapacidade de bem selecionar livros.

Manoel de Barros diz: ?Imagens são palavras que nos faltaram. Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.? Impossível na atualidade separá-las num bom livro. A imagem só terá vigor quando as palavras faltam. E, como sabemos, as palavras faltam e muito nos livros infantis – as imagens assumem papel preponderante. Ocorre que o conhecimento avançado ainda está guardado em livros sem ilustrações, em estado de espera nas bibliotecas. Decorre daí a dificuldade da criança e do adolescente brasileiro no acesso à língua escrita e ao conhecimento. Decorre dessa insuficiência o risco de nos vermos, enquanto país, vivendo um ?papel subalterno?.