Dona Sebastiana Santosveio do Norte no ano em que nevou. Veio com o marido e dois filhos; a irmã e um cunhado. O marido morreu de bebida e de saudade das plantações de café. Os filhos moram na Itália. Com a irmã, brigou e não mais teve notícias.
Dona “Dita” leva na mão esquerda uns saquinhos brancos, desses de supermercado. Dentro, a “roupa do serviço”. Com a mão direita puxa Caio, o netinho, imerso na eterna alegria dos seus sete anos. Conta que no emprego da filha não tem creche, que esse ano não conseguiram vaga…
Caio brinca no ponto de ônibus, enquanto Dona Dita, pequeninha, morena, vai puxando Caio e me explicando com a história da sua vida, um pouco de Curitiba:
– É de Curitiba, Dona Dita?
– Sou. Nasci no Norte, vim depois da geada. Faz tanto tempo que é como se tivesse nascido. Sou de Curitiba, mas moro em Fazenda Rio Grande. Antes morava e trabalhava no Cabral. Era numa fábrica de piano, que fechou. Hoje, trabalho no Cabral, na casa de uma Dona. Moro lá em Fazenda. Morar em Curitiba, não dá, é muito caro…
– Antigamente, como era?
– Antes, dava. O bairro era bom. Tinha gente ruim, também, mais isso tem em todo lugar. Tinha espaço para toda ocupação. Depois que a fábrica fechou, eu costurava para fora. Hoje não dá. Dá pena não morar aqui, o bairro tá bonito, chique.
Todo dia, Dona Dita vem para Curitiba. Dois ônibus, para vir, dois para voltar. Três horas todo dia. No ônibus, todo mundo já se conhece, irmãos de percurso, companheiros de parada. Caio vem junto com a avó. Deixar em casa é muito perigoso, moram em um lugar muito violento.
Como Dona Dita e Caio, diariamente centenas de milhares de trabalhadores chegam a Curitiba, provenientes da região metropolitana. Pessoas que nasceram em Curitiba, ou que, como no caso da minha nova amiga, SIMPLESMENTE SÃO DE CURITIBA. Curitibanos de hábito, Curitibanos por orgulho. Curitibanos que não podem mais morar em Curitiba.
A última administração municipal tem desprezado aqueles que, com seus sonhos, construíram Curitiba. A nossa cidade não nasceu em uma prancheta do IPPUC, tampouco foi assim, planejadinha, como muitos tentam fazer acreditar. Curitiba foi surgindo e nascendo, aos poucos, fruto do trabalho de tanta gente que buscou ao longo de seus trezentos e tantos anos de história, uma vida melhor.
Uma administração que se diz social não pode excluir cidadãos. Uma administração que se diz social não pode criar abismos, deve construir pontes. Pontes que tragam de volta à nossa Cidade curitibanos como Dona Dita. Curitibanos que, como Dona Dita, ainda sentem orgulho de uma Cidade que não é mais sua.
O escabroso projeto do eixo metropolitano resposta de última hora do Prefeito ao mal estar causado pela promessa não cumprida da construção do metrô – tende a ser mais um destes abismos. Na lógica cruel da construção da administração atual, Curitiba é uma cidade dividida em três a cidade dos que têm muito, a cidade dos que não tem quase nada e a cidade dos que não tem cidade. Não é o trânsito da BR 476 que divide Curitiba. O que separa Curitiba é o descaso social, a idéia, insistente e irritantemente defendida pela prefeitura, de se criar uma Cidade perfeita no Centro, inabitável na periferia e impossível para os mais pobres.
Aos que não podem, resta a Região Metropolitana. E, enquanto “Miamiza-se” o Ecoville, Curitiba cria sua própria Bangladesh…
Continuo a minha conversa:
– Vota aqui?
– Voto. Trabalho aqui. Deixo aqui um pouco do meu dinheiro, que a prefeitura cobra, né? Não votei no homem. Deus quiser, esse ano muda.
– Domingo, trabalha?
– Não. Mas venho para a missa, pois aqui que criei o costume…
O ônibus chega e me despeço de Dona Dita. Pela janela do ônibus, Caio acena, me dá adeus. Dá adeus a um novo amigo e a uma cidade que desde logo amada, não é sua.
Não me dê adeus Caio. Logo, você volta. Até logo, se Deus quiser.
Aristides Athayde advogado, professor da Faculdade de Direito de Curitiba com mestrado pela Northwestern University Chicago.