A derrota do ótimo

Aquilo que seria uma reforma tributária de fato – reivindicada de um lado e prometida de outro – poderá não passar de pequenos ajustes cuja finalidade seria apenas aumentar o poder de arrecadação do governo pela via do aumento da carga tributária. Assim tem sido até agora, ao longo do último meio século, e assim será pelo que se depreende das últimas declarações do pessoal do primeiro time do governo Lula.

Para o ministro Tarso Genro, que é também secretário-geral do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social, o governo tem que remeter ao Congresso (e isso seria feito logo) uma proposta de reforma que seja aprovável. Nem que não seja a melhor – disse ele – ao observar que o governo não pretende criar ?ilusão? na sociedade. Mas, admitiu: ?O que é bom derrota o ótimo?.

As observações de Tarso, que administra não só problemas de oposição no governo, mas também em família (sua filha Luciana Genro é uma das líderes da ala radical do PT), fazem eco ao que anuncia o ministro da Fazenda, Antônio Palocci: uma reforma tributária enxuta, com poucas alterações da Constituição, deixando a maior parte das mudanças para ser operada através de leis complementares. Melhor dizendo, uma desregulamentação do que aí está, com a intenção de um novo regulamento a posteriori, isto é, um empurrão com a barriga.

Essa, que parece a disposição final do governo sobre o assunto, não leva em conta as duras críticas que já se lhe fazem. O jurista e tributarista Ives Gandra Martins, por exemplo, classifica a escolha como perigosa, com ameaças sérias à própria estrutura federativa. ?Estou convencido – disse ele durante audiência pública na Comissão de Reforma Tributária da Câmara – que o governo ainda não sabe o que é uma reforma real do sistema.? E aduziu que o que o País exige é uma mudança estrutural, para corrigir os desvirtuamentos de um sistema tributário que teve na instituição da contribuição sobre a iluminação pública (depois das mudanças de princípios do PIS/Pasep, Cofins, Cide e da própria CPMF) um de seus últimos capítulos.

O presidente Lula, em seus encontros ocasionais com representantes de setores da sociedade, tem demonstrado confiança na possibilidade de construção de um novo Brasil mediante um ?novo jeito de governar?. Até aqui, entretanto, o que presenciamos é a repetição de fatos e atos já vistos durante o longo reinado de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, sem a ferrenha e sistemática oposição petista. Sua primeira vitória no Congresso, quando conseguiu mais dos 400 votos esperados em favor do encaminhamento da emenda constitucional sobre o Sistema Financeiro, trouxe-lhe empolgação e ânimo para falar sobre o encaminhamento das outras reformas – a previdenciária e a tributária, com prioridade. Seu braço-direito, o ministro José Dirceu, saiu imediatamente em campo para agradecer os votos cavados na oposição, muitos deles negociados em troca de favores.

Esse clima de namoro e a pressa em dar seqüência a reformas há muito engavetadas podem jogar por terra a sempre explicitada cautela de Lula para ?formatar um plano de governo com solidez e consistência?. Na Constituição Cidadã de 88 existem muitos assuntos ainda pendentes de regulamentação por leis ordinárias. Engatilhar nessa fila a questão tributária seria o mesmo que fornecer carta branca ao Planalto para continuar legislando livremente, como até aqui fez, sem dar a mínima importância para o que dizem os esfolados contribuintes. De fato, a derrota do ótimo pode ser… ótima para o governo.

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