Preocupado com a Política Criminal, Roxin propõe um conceito de culpabilidade não mais apoiado no frágil fundamento do livre-arbítrio, da liberdade de agir ontológica, de indemonstrável comprovação, mas sim adotando critérios de exigência de política criminal que devem permear a elaboração da dogmática penal.
Para o referido autor, a culpabilidade não mais deve ser vista como um ente metafísico, fundado no “poder-agir-de-outo-modo” proposto por Welzel, adquirindo a forma de “responsabilidade”, sem qualquer prejuízo à segurança e à garantia de direitos fundamentais.(1)
A idéia de responsabilidade penal foi articulada por Roxin no Projeto Alternativo de 1962, o qual possuía como idéia mestra, nas estritas palavras de seu autor, a “de que o direito penal moderno consiste na realização de uma síntese entre o Estado de Direito e uma prevenção especial re-socializante, por um lado, e as exigências imprescindíveis de prevenção geral, por outro”.(2)
Quanto à prevenção especial, esta, por si só, não justifica de maneira adequada a intervenção estatal, pelos seguintes motivos: 1) tal entendimento redundaria em admitir uma não delimitação temporal mediante penas pré-fixadas em seu máximo; 2) constatada a ausência de perigo de reincidência pelo criminoso, graves delitos deveriam ficar impunes.(3) Por isso, a necessidade de se mesclar a prevenção especial com a prevenção geral.
Em relação à prevenção geral, importante ressaltar que não se trata daquela com finalidade negativa, de imposição do terror pela intimidação das pessoas por meio da execução da pena. Trata-se de uma prevenção geral com novo objetivo, o da proteção de bens jurídicos, o de assegurar a eficácia do ordenamento jurídico pela reprovação do sujeito que lesiona o bem protegido pelo direito. Impondo-se pena àquele que infringe a norma, com uma conduta lesiva ao bem jurídico protegido, fortalece-se a crença de que a imposição de um castigo protege os valores que a sociedade entende que devem ser protegidos (bem jurídico). Com a imposição da pena visa-se, não somente a pura intimidação social, mas algo mais significativo, a manutenção da crença da população no direito pelo fato de este proteger seus bens mais importantes (os bens jurídicos). É a denominada prevenção geral positiva.
Com essa nova abordagem sobre a função da pena, Roxin tenta anular a idéia de que sua imposição tem por finalidade a mera retribuição, a aplicação de um castigo àquele que cometeu um injusto.
Em relação ao tema culpabilidade, Roxin a trata da seguinte maneira: ela não pode mais servir de fundamento para a punição, mas apenas como limite para a imposição da pena. É um princípio limitativo da responsabilidade penal.
A tese que o professor alemão defende considera que o conceito de culpabilidade como fundamento da pena não pode mais existir, devendo o conceito de culpabilidade servir como mero limitador da repressão penal, que deve sempre ter por fundamento a prevenção.
Mais, traz um problema maior à adoção do conceito tradicional (welzeliano) de culpabilidade: a impossibilidade de se constatar ontologicamente a liberdade do sujeito; a indemonstrabilidade do “poder-agir-de-outro-modo”. O conceito tradicional de culpabilidade é sustentado por uma premissa que não se pode comprovar.(4)
Diante de tal problemática, Roxin traz a solução: da mesma maneira como ocorre com o ideal de igualdade entre as pessoas, a liberdade de vontade deve ser entendida como um ente jurídico, e não ontologicamente. Considera que quando a lei impõe o princípio da igualdade entre os homens, não está a reconhecer que todos os homens são idênticos, mas sim que a lei deve tratar a todos de maneira igual. O mesmo deve ocorrer com a idéia de culpabilidade. Nesse caso, não se está afirmando que o homem possui liberdade para agir, mas apenas a lei atribui a ele tal virtude, independentemente de comprovação ontológica. A liberdade de agir se torna uma ficção jurídica necessária para que se limite o máximo da pena.(5)
Assim, tem-se o principio da culpabilidade não como fundamento material da censura penal, mas sim como limitador da intervenção estatal punitiva.
Entende dito autor como fundamento material da censura penal, ou melhor, em suas palavras, da responsabilidade penal, não a culpabilidade (a liberdade de agir), mas um interesse social ditado por uma política criminal baseada na prevenção. A culpabilidade “por si só não pode fundamentar a pena. Uma conduta culposa somente justifica sanções jurídico-penais quando estas sejam necessárias por razões de prevenção geral ou especial.”(6)
Importante anotar que ausente o principio da culpabilidade como fundamento material da censura penal, como propõe Roxin, e sustentando como tal a necessidade de prevenção especial e/ou geral, as excludentes supralegais de culpabilidade teriam por fundamento não mais a impossibilidade de poder agir conforme os ditames da norma, mas sim a desnecessidade de prevenção.
Para efeito de conclusão da pesquisa, temos que, embora a teoria analisada seja a que melhor explica o juízo de censura penal, ao reconhecer a impossibilidade de comprovação do livre arbítrio, tal doutrina possui o defeito de reconhecer uma função legitimadora da intervenção estatal na liberdade do indivíduo, quando, em verdade, a função real (e não a do discurso simbólico do direito) do sistema penal não passa a de ser a manutenção de um sistema de poder despreocupado com a realidade de desigualdade social.
NOTAS
(1) TAVARES, Juarez. Teorias do delito: variações e tendências. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980. p. 102/103.
(2) ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p. 13
(3) Idem. p. 22
(4) VELO, Joe Tennyson. O juízo de censura penal (o princípio da inexigibilidade de conduta diversa e algumas tendências). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993. p. 164
(5) ROXIN, Claus. A cerca da problemática do direito penal da culpa. In Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983. p. 16, apud, VELO, Joe Tennyson. O juízo de censura penal (o princípio da inexigibilidade de conduta diversa e algumas tendências). Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993. p. 165.
(6) ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p. 46
Fábio da Silva Bozza
é bacharel em Direito, graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba.