Ligar pouco para os partidos, desconfiar muito das promessas e projetos, votar no candidato que melhor conhece, elegendo propostas que considera viáveis ou boas para a cidade. Este é apenas um conselho genérico fornecido alhures por uma socióloga preocupada com o que chama de ?caleidoscópio político? na arrancada de uma das mais confusas campanhas eleitorais dos últimos tempos. Bispos, padres e pastores recomendariam atenção especial ao menor sinal de corrupção, falta de solidariedade ou, mesmo, de desapego à cristã caridade. O presidente Lula, por sua vez, receita altivez, disposição para a luta e para a inevitável disputa, além de paciência na cobrança que fatalmente virá. A arte de governar – disse – é a arte de ter paciência. Paciência que não faltou ao governo ao se antecipar por um dia na propaganda eleitoral permitida.
A se julgar pelo que está posto e também pelo discurso presidencial da última segunda-feira, teremos um pouco de tudo nessa guerra que deveria ficar circunscrita à causa municipal. Como sempre, além de paixões à solta que buscam revanche sobre confrontos passados, a eleição que já coloca em movimento a poderosa máquina eleitoral (e com freqüência também a administrativa) em temporário recesso, nesses dias é capaz de alguns milagres. Entre eles, compensar em parte a fraca geração de empregos e, por isso, também ensaiar uma falsa impressão de que o espetáculo do desenvolvimento, enfim, começou.
De norte a sul, o baralho partidário brasileiro sem a reforma política prometida costurou as mais contraditórias coligações para essa corrida em busca das mais básicas parcelas de poder. É quase um vale-tudo em todos os lugares. Lá, na reta final do grande embate, os brasileiros vão eleger 11.126 nomes, sendo 5.563 prefeitos, outro igual número de vice-prefeitos e mais 51.749 vereadores – todos trazendo no discurso elevadas propostas e elaboradas soluções, mas, antes de tudo, as bases para o próximo confronto que renovará a política do andar de cima: governadores, deputados, senadores, além do próprio presidente da República. Ficaram fora desse grande embate outros 8.527 candidatos, podados pela decisão da Justiça que, à revelia da própria classe política, deu um breque eficaz na proliferação ilegal de cargos de vereador a comprometer orçamentos.
Que o eleitor saiba encontrar o que é melhor para a sua comunidade, é tudo quanto se espera de uma mera eleição municipal. Nem precisava conselho. Mas pelo que vem de Brasília, esta eleição dificilmente escapará do caráter plebiscitário em torno do governo que acaba de comemorar seu primeiro ano e meio (coisa inédita até aqui em matéria de aniversários). Não foi à toa que a comemoração coincidiu com o início oficial da campanha, dando a oportunidade que o Planalto precisava para ditar como devem ser as coisas.
Mais que um aniversário eleitoreiro, onde apenas as promessas se renovam em meio a recheado relato de minguadas obras, o povo brasileiro merecia a sincera explicação para o que de fato está acontecendo. Também merecia mais respeito. A dissimulação ou o uso de meias-verdades sempre foi arma poderosa na boca de políticos experientes. Não precisava o Planalto mergulhar de cabeça numa tarefa já praticada por muitos.
Uma das únicas verdades inteiras pronunciadas pelo presidente Lula, depois de ouvir atentamente as lições do ministro José Dirceu (que ainda deve os prometidos pingos nos ?is? do caso Waldogate), foi essa de que o governo atual está sendo cobrado da mesma forma que, quando na oposição, cobrava impiedosamente dos outros. Tudo o resto (inclusive o conselho de nada deixar sem respostas) é despicativo. Na corrida que começou, pela primeira vez de forma nacional, a estrela do PT é telhado de vidro. Tanto mais fraco será se, em vez de realizar, ficar tentando se justificar.