O tema abordado é muito pouco explorado pelos operadores do direito, motivo pelo qual raramente encontrado nas ementas dos acórdãos emanados de nossos Tribunais.
De grande relevância, contudo, pois pretende trazer à baila debate acerca de um dos mais louváveis princípios regentes da ciência jurídica pátria o princípio da eqüidade.
A Eqüidade, segundo ensina DE PLÁCIDO E SILVA, ?compõe o conceito de uma justiça fundada na igualdade, na conformidade do próprio princípio jurídico e em respeito aos direitos alheios. (…) Pelo princípio da eqüidade, mais deve ser atendida a razão, que a impõe, vista pela boa-fé, do que a própria regra do direito. Sendo assim, a eqüidade é a que se funda na circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que for justo e razoável. E, certamente, quando a lei se mostrar injusta, o que se poderá admitir, a eqüidade virá corrigir seu rigor, aplicando o princípio que nos vem do Direito Natural, em face da verdade sabida ou da razão absoluta.?(1)
Ante o caráter de justiça que compõe seu conceito, a aplicação da eqüidade somente é facultada aos magistrados, diante de previsão legal contida no artigo 127 do Código de Processo Civil (Lei n.º 5.869/73).
Entretanto, tem ganhado força a adoção deste princípio em todos os atos da vida social, o que necessariamente inclui o direito contratual, consoante destacou SILVIO DE SALVO VENOSA ao tratar da interpretação dos contratos: ?o emprego da equidade na integração do contrato visa ao justo equilíbrio dos direitos dos contratantes. Não é à equidade lato sensu a que nos referimos, mas à equidade contratual, qual seja, a justa aplicação do Direito no contrato em concreto.?(2)
Observa-se, entretanto, que nem sempre as decisões judiciais acerca de relações contratuais, especialmente aquelas firmadas com instituições financeiras, consideram a necessidade de equiparação de direitos dos contratantes na repetição de indébitos.
Assim o é, acredito, pela total falta de provocação do Poder Judiciário acerca do tema pelos operadores do direito, motivo pelo qual presta-se o presente artigo.
Percebe-se cada vez maior o número de medidas judiciais revisionais de contratos bancários, pela quais, dentre os mais variados fundamentos, observa-se o implacável ataque dos correntistas à capitalização dos juros, cuja matéria é objeto de súmula emanada do Supremo Tribunal Federal.(3)
Nos casos em que a capitalização é inadmitida como, v. g., no crédito rotativo em conta corrente (cheque especial) e nos contratos de cartão de crédito a afronta à Súmula 121 do STF tem reiteradamente levado nossos Tribunais a determinar o expurgo da capitalização, e a conseqüente devolução dos valores indevidamente pagos pelos consumidores, a chamada repetição do indébito, como dispõe o artigo 876 do Código Civil de 2002.(4)
Para que os efeitos do tempo verificado entre a indevida cobrança dos valores pelos bancos e sua restituição ao cliente não tornem vazia a repetição do indevidamente cobrado, o Poder Judiciário determina que ao indébito sejam acrescidas as atualizações monetárias e juros de mora, os quais são calculados na proporção de 01% ao mês, na forma simples, consoante interpretação dada à redação dos artigos 406 do CCB/02 e 161, § 1.º, do CTN.
À primeira vista, tem-se que tal decisão re-equilibra completamente a relação contratual, colocando instituição financeira e consumidor em patamares semelhantes, o que atenderia à desejada eqüidade contratual.
Entretanto, equivocada estaria tal interpretação.
Como é sabido, os contratos bancários de abertura de crédito têm como singular característica os altíssimos níveis das taxas de juros aplicadas à remuneração dos valores tomados por seus clientes, como em casos não tão raros, que os consumidores foram submetidos a taxas de mais de 20% ao mês.
Nesta esteira, ante uma decisão judicial que só afaste a incidência da capitalização sobre o capital emprestado, tem-se que para a apuração dos indébitos, a instituição financeira considerará a taxa contratada, expurgando, tão somente, a forma do cômputo destes encargos financeiros, que passa da forma capitalizada para simples.
Apurados os valores relativos ao expurgo da capitalização dos juros, ter-se-á o valor histórico do indébito a ser repetido, ao qual serão acrescidos a atualização monetária praticada, e os juros de mora de 01% ao mês, na forma do artigo 406 do CCB/02.
É exatamente neste ponto que reside a falha das decisões judiciais quanto a aplicação dos princípios da eqüidade buscados pela propositura da medida revisional de contrato bancário, e para o que quer se chamar a atenção.
Com efeito, enquanto o correntista viu seu dinheiro sendo impropriamente tomado pela instituição financeira à taxas de 20% ao mês, este ser-lhe-á devolvido à módica taxa de 01% ao mês, em um dos mais absurdos e corriqueiros, diga-se, exemplos de desigualdade jurídica.
Esta diferença de tratamento, pouquíssimo debatida em nossos Tribunais, é o exemplo mais claro de ofensa ao princípio da eqüidade, apontado anteriormente.
Afinal, no exemplo aqui utilizado, está clara a existência de um abismo entre a obrigação do consumidor e a obrigação do fornecedor, advindo, confira-se, da manifestação do Poder Judiciário, o que chancela a ofensa ao princípio da eqüidade.
Tal não pode ser admitido. Afinal, como aqui asseverado, as decisões judiciais que revisam cláusulas contratuais e apontam a repetição de indébitos, ante o princípio da eqüidade, prezando pela igualdade de direitos das partes, devem determinar que a instituição financeira atualize o valor devido à mesma taxa exigida na operação levada à apreciação do Poder Judiciário.
De outra forma, está se autorizando o enriquecimento ilícito das instituições financeiras, na medida em que ficam liberadas a devolver muito menos do que tomaram.
Portanto, outra alternativa não se verifica, que não a imediata adoção nas petições iniciais de revisional de contratos bancários, de requerimento para que a correção dos indébitos bancários seja realizada às mesmas taxas de juros cobradas no contrato revisado, em homenagem ao princípio da eqüidade.
Neste sentido, encontra-se uma única manifestação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 453.464, em que figurou como Recorrente o Banco Bandeirantes S/A, e cuja decisão foi publicada em 19/12/2003, verificando-se como vencedor o voto-vistas dado pela I. Ministra Nancy Andrighi, cuja ementa se transcreve:
PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE (CHEQUE ESPECIAL). COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESTITUIÇÃO AO CORRENTISTA. REMUNERAÇÃO DO INDÉBITO. TAXA IDÊNTICA À EXIGIDA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM SITUAÇÕES REGULARES. POSSIBILIDADE.
– É direito do titular de contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial) obter a restituição de valores indevidamente cobrados pela instituição financeira.
– O montante do indébito a ser restituído deverá ser composto não apenas pelo valor cobrado indevidamente (principal), mas também por encargos que venham a remunerar o indébito à mesma taxa praticada pela instituição financeira no empréstimo pactuado (acessório).
– Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restituí-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11% ao mês.
– A solução adotada não fere a Lei de Usura, porquanto o correntista não concedeu crédito à instituição financeira, mas apenas busca restituir o que lhe foi cobrado indevidamente.
– A remuneração do indébito à mesma taxa praticada para o cheque especial se justifica, por sua vez, como a única forma de se impedir o enriquecimento sem causa pela instituição financeira.
Recurso especial não conhecido.
Destaca-se do voto-divergente da Ministra Nancy Andrighi:
?(…) Nesses termos, é direito do titular de contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial) obter a restituição de valores indevidamente cobrados pela instituição financeira.
O montante do indébito a ser restituído deverá ser composto não apenas pelo valor cobrado indevidamente (principal), mas também por encargos que venham a remunerar o indébito à mesma taxa praticada pela instituição financeira no empréstimo pactuado (acessório).
Assim, o autor não tem direito somente à devolução do que pagou indevidamente ao réu, mas, também, dos rendimentos advindos a este com a livre disposição do patrimônio usurpado. Ensina Pontes de Miranda, que ?o que se presta, em caso de repetição por enriquecimento injustificado, não é o valor do bem ao tempo em que se deu o enriquecimento, é o valor tal qual enriquece o demandado no momento em que se exerce a pretensão. Se o bem, ficando com o demandante, valeria a, mas com o demandado passou a valer a + x, é a + x que se há de prestar, (…)? (?Tratado de Direito Privado?, Parte Especial, Tomo XXVI, 3.ª ed., 1971, p. 167).
(…)
Em conclusão, a remuneração do indébito à mesma taxa praticada para o cheque especial se justifica, por sua vez, como a única forma de se impedir o enriquecimento sem causa pela instituição financeira.
Não se vislumbra, tampouco, violação às normas que regulam o sistema financeiro, pois não se está concedendo – a quem não tem – o direito de cobrar juros acima da taxa legal ou outros encargos somente permitidos às entidades participantes do sistema. Trata-se, repita-se, de pedido vinculado tão-somente à reparação do dano causado e à coibição do enriquecimento ilícito.?(5)
Perfeito o posicionamento adotado pela Ministra, que por aplicar com extrema excelência um dos mais louváveis princípios jurídicos, dá exemplo de justiça a ser copiado pelos Tribunais Estaduais.
Utilizado tal posicionamento pelos operadores do direito, bem como aplicado pelos magistrados o princípio da eqüidade à decisões que versam sobre contratos bancários, ter-se-á um grande avanço na justa prestação jurisdicional.
Notas:
(1) SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Volume II D I. Forense: Rio de Janeiro, 1.973. Pág. 609.
(2) VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4.ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. (Coleção direito civil; v. 2). Pág. 476.
(3) Súmula 121, do STF.
(4) Correspondente ao art. 964 do CCB/16.
(5) STJ REsp n.º 453.464-MG Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi 3.ª Turma DJ 19/12/2003 p. 453 RSTJ vol. 188 p. 363.
João Paulo C. Barbosa Lima é advogado, pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. www.barbosalima.adv.br
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