A Copa do Mundo e a suspensão do Código de Defesa do Consumidor

A Copa do Mundo de 2014, que será sediada no Brasil, motivou a proposta feita pela FIFA (Fédération Internationale de Football Association) do Projeto de Lei nº 2330/2011 (Lei Geral da Copa), encaminhado pelo executivo ao Congresso Nacional em setembro de 2011. Porém, há uma grande polêmica em torno deste Projeto que, se aprovado, disciplinará as relações entre consumidores durante a realização da Copa do Mundo no Brasil.
A questão é que, com isso, suspende-se temporariamente a aplicação do Código do Consumidor (CDC), ferindo o artigo 5º, XXXII, da CF/88, como um direito fundamental, não podendo, portanto, ser restrito, muito menos suspenso, ressalvando os casos extremos previstos no Texto Constitucional. O mencionado Projeto sequer considera o “CDC” como texto legal à aplicação subsidiária à “Lei da Copa”.
O intuito do presente artigo é demonstrar que o referido Projeto de Lei (PL) pode comprometer os direitos fundamentais do consumidor previstos na legislação brasileira, sobretudo no que diz respeito a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990). O PL disciplina dispositivos que confrontam com direitos, garantias e princípios expressamente previstos no artigo 4º do CDC. Sendo assim, se habilitado, trará um texto de lei eivado de inconstitucionalidade, desrespeitando a ética e a boa-fé nas relações de consumo, o que, certamente, abarrotará o judiciário com propositura de ações judiciais, a fim de restabelecer as relações consumeristas no Brasil.
A redação dada pelo artigo 42 do PL fica evidente em tornar compatível o texto com legislações de propriedade intelectual, porém, despreza a necessidade de aplicação do CDC para proteção da parte vulnerável das relações estabelecidas durante os eventos, ou seja, o consumidor.
Além disso, o PL (art. 32) confere à FIFA plenos poderes na venda dos ingressos, o que guarnece à instituição a situação de fornecedora de produtos e serviços, nos termos do artigo 3º, do CDC. Sendo assim, a FIFA torna-se responsável por eventuais danos causados aos consumidores, com o dever de repará-los. E, entretanto, não menciona no texto legal qualquer obrigação de responsabilização.
O PL revela, ainda, a venda combinada de ingressos com pacotes de hospitalidade e passagens aéreas, configurando venda casada, prática abusiva e proibida pelo artigo 39, I, do CDC, conferindo a FIFA a possibilidade de vender ingressos de forma independente ou em pacotes de turismo ou hospitalidade. Por outro lado, determina a responsabilização dos indivíduos, combinando sanções civis e penais e ampliando as penas já previstas na legislação nacional. Ou seja, autoriza a FIFA a ajustar uma cláusula penal em seus contratos com os consumidores na ocasião de desistência ou cancelamento do ingresso comprado, “independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição” (Art. 33, III, do PL).
Denota-se que a FIFA poderá atribuir penas (como multa) ao consumidor que, por exemplo, desista no prazo de 7 (sete) dias do contrato de compra que realizara, (caso ele a realize através da Internet, por onde deverá ser vendida a maioria dos ingressos), conforme redação dada pelo artigo 49 do CDC.
Já os artigos 32 e 33 do PL concedem à FIFA plena autoridade para estabelecer preço e condições de cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, além da modificação unilateral nas condições dos serviços, como cancelamento e remarcação de assentos e alteração de datas e horários, sem qualquer referencia da justificativa ou aviso prévio aos consumidores.
Sendo assim, esses dispositivos, além de ferirem o direito básico à informação previsto no artigo 6º, inciso III, do CDC, acarretam sérios problemas logísticos aos consumidores, que poderão não ser indenizados, tendo em vista o curto período de tempo do evento, o que certamente dá ensejo para práticas e cláusulas abusivas nas compras dos ingressos. Ainda, o PL silencia sobre assuntos indispensáveis, como a proibiç,ão da publicidade enganosa e abusiva, expressamente vedada pelo texto do consumidor. (CDC, artigos 36,39, 51).
Por fim, permitir a FIFA que apresente a Nação Brasileira leis que lhe beneficie é, mais do que afrontar as disposições constitucionais e do CDC, seria ofensa aos princípios fundamentais da Constituição Federal, como a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (artigos 1º, I, II e III, da CF/88).

Fabiano Vidal é advogado do Escritório Bini Advogados de Piracicaba/SP e atuante nas áreas: Empresarial, Consumidor e Tributária.

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