O Dec.-Lei n.º 7.661/45, que regula a falência e concordata, prestes a ser ab-rogado por nova lei tida como moderna e que regulará a recuperação da empresa, contém norma expressa acerca da continuidade do negócio no curso do processo falimentar. Trata-se da regra inserida no art. 74, a qual somente será aplicada se houver prova da conveniência e oportunidade, além do inequívoco benefício aos credores da falência.
Inicialmente, a melhor interpretação da norma legal é que não apenas o falido poderá requerer a continuidade do negócio. O Síndico tão-logo assuma a função, mediante assinatura de compromisso legal, terá condições de avaliar a real situação da empresa, cabendo-lhe propor a continuidade do negócio. Também, os credores do falido poderão assim agir, da mesma forma o Ministério Público, que no processo falimentar desempenha importante função, não apenas de fiscalizar, mas de defender os interesses sociais envolvidos na falência. Por sua vez, o juiz poderá de ofício determinar a continuidade do negócio, à vista dos elementos contidos no processo, desde que conveniente e oportuno, não olvidando o princípio da preservação da empresa e aquele que estabelece a necessidade de ser cumprida a função social da entidade.
Portanto, a primeira interpretação que deve ser levada a efeito, em relação ao dispositivo em comento, diz com a possibilidade de outras pessoas, que não somente o falido pugnarem pela continuação do negócio, cabendo também ao juiz a determinação de ofício. É a melhor interpretação do dispositivo em comento.
Uma segunda conclusão, não menos relevante, diz com o §1.º do art. 74. Consta que a continuidade, salvo caso excepcional e a critério do juiz condutor do processo, somente poderá ser deferida após o término da arrecadação e juntada do inventário nos autos. Ora, a continuidade, se necessária, deverá ser proposta e decidida de imediato. O Síndico, tão-logo assuma a função, deve averiguar a real situação da empresa e, em sendo o caso, propor a continuidade, com dados concretos, até mesmo para não prejudicar as várias situações envolvidas (desativação de máquinas, dispensa de funcionários etc.) Aguardar-se a arrecadação formal dos bens é medida desaconselhável. Lembre-se que a empresa pode ter filiais nas mais diversas localidades; inúmeros bens arrecadáveis; máquinas que não podem ser desligadas, e principalmente universo considerável de funcionários. O que fazer? Aguardar o cumprimento das formalidades legais? Evidente que os princípios constitucionais, principalmente o da proporcionalidade, devem ser considerados. Então, cabe ao Síndico analisar o caso concreto e tomar as medidas necessárias de forma urgente, até mesmo sob pena de responsabilidade pessoal.
Mas o artigo 74 não mais se afina com a realidade. E por quê? Muito embora vários sejam os processos falimentares em que há deferimento da continuidade, o resultado prático almejado nem sempre ocorre. Muitas vezes é desastrosos e compromete ainda mais o processo. E o que se busca, hoje, no processo de falência? Evidentemente que é a liquidação dos ativos para fazer frente ao passivo. A continuidade do negócio, com o aporte mensal de recursos nem sempre é capaz de propiciar a reserva de valores visando o pagamento do passivo (principalmente aquele existente perante a massa falida e não no que se refere à falência). Com isso, não raras vezes, as dívidas posteriores à continuidade crescem, e aí não mais terão vinculação com a falência, mas sim com a massa ( conforme art. 124 da lei atual), sendo como exemplo típico o débito fiscal. Uma situação peculiar: os credores da falência não são os primeiros a receber seus créditos. Poderá haver pedidos de restituição, cujos titulares não são credores mas sim reivindicantes, e haver necessidade de quitar as dívidas e encargos da massa, antes de cumprimento do art. 102 da lei atual.
O próprio gerenciamento da continuidade de negócio é algo difícil de ser exercitado, sendo que a lei, quase sexagenária, apresenta dispositivos totalmente dissonantes da realidade. Em primeiro lugar, segundo os ditames legais, as compras deverão ser a dinheiro, ou no máximo que haja pagamento em 30 (trinta) dias. Hodiernamente, sabe-se das dificuldades vividas pelas empresas que estão no mercado. O procedimento a ser adotado pelo gerente (previsto no inciso §5.º do art. 74) também burocratiza por demais a própria prestação de contas. Assim, os mecanismos estabelecidos pela lei estão totalmente incompatíveis com a realidade atual. A dinâmica dos negócios não pode, mesmo em se tratando de massa falida, ficar a mercê de certas exigências totalmente absurdas, como a prestação de contas semanal e até mesmo o depósito diário dos valores recebidos.
Por sua vez, o Projeto de Lei n. 4.376/93, que trata da recuperação da empresa, já foi analisado pelo Senado Federal. O estudo deu azo a novo projeto, onde foram mantidos apenas oito dispositivos originais, e recentemente enviado à Câmara dos Deputados. Tanto o projeto quanto o substitutivo têm o mesmo propósito: a recuperação da empresa. Para isso, foram estabelecidos diversos mecanismos para dar fôlego àquele que atravessa dificuldades, sob os mais variados aspectos.
Pelo projeto da Câmara Federal, verifica-se da leitura do art. 50 que o leque de opções para a efetiva recuperação da empresa é bastante variado. Há a hipóteses desde a concessão de prazo para pagamento das dívidas até a compra de ativos. O propósito, então, é colocar à disposição da empresa várias alternativas que poderão se acomodar à realidade por ele vivenciada, conforme maior ou menor dificuldade. Até mesmo quando se trata de pedido de falência formulado em face do devedor, poderá este, no prazo da defesa (que pelo projeto é de 5 dias, mas pelo substitutivo é elevado para 10) formular pedido de recuperação, com a respectiva relação de credores.
Destarte, todas as condições são ofertadas para que haja a efetiva recuperação da empresa, até mesmo quando lhe é apresentada citação judicial de pedido de falência. Mas o projeto em análise não trata especificamente da chamada continuidade de negócio, e o mesmo se diga em relação ao substitutivo.
O que se verifica é a existência de um único dispositivo que faz expressa referência a continuidade do negócio (art. 215, §2.º, do projeto), quando trata da possibilidade da sujeição da empresa falida à nova lei. Há impropriedade técnica em tal dispositivo na medida em que inexiste outro artigo de lei que regulamente a continuidade do negócio. Não há, assim, previsão do instituto no projeto. O projeto de lei do Sen. Ramez Tebez também não traça qualquer parâmetro a respeito da continuidade do negócio. E o por quê disso? O legislador concede à empresa em dificuldades vários remédios para a sua manutenção no mercado (até pode-se questionar a intervenção excessiva do Estado no trato da recuperação da empresa. Talvez o mercado deve dar a solução para as entidades deficitárias, e não estas colocar nos ombros do Estado a responsabilidade pela solução dos problemas). Os meios não exaustivos estão previstos no art. 50, do projeto e substitutivo. E mais: há possibilidade de requerer a recuperação mesmo após a citação inicial em pedido de falência.
Destarte, se todos os meios foram colocados à disposição do devedor para que se recupere, ou seja, as possibilidades foram abertas, e delas não se utilizou, é porque não tem condições de permanecer no mercado. Destarte, exauridas todas as tentativas, não há como, após a decretação da falência, tentar-se a continuidade (até mesmo porque não prevista no projeto e substitutivo), devendo o processo prosseguir regularmente (com alienação do patrimônio ou mesmo seu arrendamento).
Portanto, a continuidade de negócio é meio de recuperação apenas previsto na atual lei de regência, não mais sendo prevista no projeto.
Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; autor do livro "Revocatória Falimentar", pela Juruá Editora.(carlos@calixtoclaro.com.br)