A contemporaneidade do passado

Quando se pensa em Direito Civil hoje, vem à mente: mudança do Código.

E, toda a carga que acompanha a palavra mudança trazida normalmente nos diversos setores de nossas vidas, é duplicada ou triplicada ao se inserir no âmbito do Direito. É bem verdade que os operadores estão sempre às voltas com inovações de leis e toda gama de delimitações emanadas do Poder Legislativo, no entanto, a modificação de um Código tão importante quanto o Civil e ainda depois de longos anos de espera, acaba por assustar.

Assusta porque muito daquilo consolidado nas relações sociais apresenta diferente roupagem e conseqüências e ainda nem se sabe como traduzir para o mundo dos Tribunais a transformação legal. É o medo de vir a prejudicar pessoas que têm nos advogados, juizes, promotores a figura de zeladores de seus direitos.

Então, essa é a hora de pensar! Vislumbrar o Código Civil com os olhos de criança, com o enfoque de quem está descobrindo e crescendo com essa descoberta. Não com o rancor da idéia: “É o fim, terei que estudar tudo de novo e aquilo que aprendi, jogo no lixo?”

Não! Tudo o que se sabe do passado é base para a construção do futuro.

Deixar o ranço de lado e abrir novos livros, cheirar a novidade, consentir a entrada do presente e viver o momento histórico de transição.

Se já estamos fazendo história ao escolher um novo presidente do Brasil, com um perfil totalmente diferente dos anteriores e acima de tudo, nos mostramos esperançosos com isso, porque não espanar o pó das convenções e não nos animamos para pensar e repensar a lei?

É por isso que ao ver reportagens na televisão e ler artigos comentando acerca das mudanças no direito sucessório, fico surpresa.

Sente-se a maior dificuldade de assimilação no fato de o cônjuge também ter se tornado herdeiro necessário.

Há muito tempo, lê-se nas doutrinas o apelo a esse acontecimento, não se falava em regime de bens, mas sim na proteção de quem, em um momento difícil, como a morte de um cônjuge, ainda viesse a ficar financeiramente comprometido.

Poderá parecer um contraponto eu estar falando em deixar o novo entrar e relembrar das lições dos doutrinadores militando pela inserção do cônjuge como herdeiro, mas a verdade está no fato de que, na tentativa de sermos modernos esquecemos sábias idéias do passado e que o resgate delas acaba sendo o mais contemporâneo, e, é bem nesse ponto que insiro esta questão.

O Código Civil de 1916 abarcava as relações de uma época onde as mulheres eram dependentes dos homens, primeiramente de seus pais, depois de seus maridos, e o direito sucessório, como não podia deixar de ser, seguia a mesma linha. Com a morte do cônjuge a mulher acabava ficando desamparada, e acabava por continuar dependente, muitas vezes dos próprios filhos ou ainda de outros parentes, no entanto, se a mulher morresse antes do marido, esse detinha as bases para ir buscar o seu provento, não precisando da herança de sua esposa.

Com o tempo a luta pela independência feminina nas relações pessoais passou a ser importantíssima, muitas conquistas, algumas derrotas, mas o Código Civil continuava a reger a vida em sociedade do mesmo modo que em 1916. Mulheres fomentavam patrimônios em comunhão com seus maridos e não tinham direitos a ele quando seus cônjuges faleciam. Surgiram leis esparsas na tentativa de melhorar e assim foi se levando.

Vejo esses novos artigos de lei como um resgate de valores morais deixados de lado com o apelo ao progresso. Se, antigamente a mulher não tinha muito valor, hoje se torna estranho escrever que todos estamos no mesmo patamar, chega a ser ridículo, no entanto, a luta pela independência nos trouxe alguns problemas de ética e moral e, hoje, a busca desses valores é contemporânea.

O novo Código traz uma série de implicações acerca do assunto cônjuges, mas a explicação destas regras não é o meu intuito aqui e sim fazer uma nova visão florescer.

Não me parece ocorrer uma mudança no regime de bens escolhido pelas pessoas ao se casarem, com as regras atuais do direito sucessório. Se um casal passou parte de sua existência junta é justo, é moral que quando um deles falecer tenha direito sobre o patrimônio deixado, independentemente do regime de bens do casamento ser o de separação total, afinal se ainda eram companheiros até essa data perfazem-se motivos para o sobrevivente receber pelo menos alguma parte da deixa.

Provavelmente serão vistas situações nas quais ocorrerá a morte quando a separação era inevitável, ou existia uma relação de aparência, nestes casos, não será difícil provar esta situação e assim afastar da herança a quem presumivelmente, o falecido, não gostaria de ver agraciado.

Os inúmeros caminhos que poderão ser seguidos, os casos que se colocarão frente ao novo ordenamento jurídico, só serão delineados com o passar do tempo, porque hoje, somos todos crianças descobrindo o mundo e criando bases para um futuro, esperando-se, mais moral, correto e justo do que o presente.

Rubiane de Lima

é bacharel em Direito, autora do livro Manual de Direito das Sucessões e especialista em Ciências Penais pela PUCPR.

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