O Brasil vive um momento ímpar para se debater a questão do federalismo ou novamente assistir a um governo eleito assumir com força popular e esvair-se nos corredores da estrutura centralizadora e clientelista do Estado brasileiro.
Vivemos em um país onde a Federação, composta pela União que concentra 75% das receitas, Estados que detém 22% das receitas e dos municípios, com pires na mão, que detém apenas 3% das receitas. Somente isso poderia fazer um especialista em federalismo, dizer que vivemos, num Estado unitário centralizado e não num Estado federal descentralizado como apregoa a Constituição Federal.
Esta estrutura federal, que não foi desmontada pela Constituição Federal de 1988, foi construída na Constituição Federal de 1967, que tirou dos estados e municípios qualquer autonomia e acabou consolidando inúmeros organismos regionais de desenvolvimento, a exemplo da Sudam, Sudene e bancos regionais, que acoplados a um sistema político parlamentar distorcido criou uma estrutura de Estado centralizado e clientelista, onde o poder executivo coopta o poder legislativo através do princípio “é dando que se recebe”. Desse período não podemos esquecer também que a guerra fria trouxe o autoritarismo e a repressão aos partidos políticos e ao poder legislativo no mundo todo, tirando do movimento social duas gerações de homens e mulheres. A política perdeu com isso em qualidade e também em credibilidade, pois alguns que vieram no lugar não eram da mesma estatura e comportamento. Ainda vivemos os efeitos desse tempo de democracia interrompida. Sem contar que os governos autoritários para impedir o avanço das oposições nos centros urbanos, implantou um sistema político parlamentar, que vem até hoje fraudando a vontade popular, quando 44 milhões de eleitores elegem 263 deputados federais e 65 milhões de eleitores elegem apenas 250 deputados federais, pois não adotamos o quociente eleitoral nacional para a eleição dos membros da Câmara dos Deputados. Se não bastasse essa herança, temos uma muito mais grave que é a do Senado Federal, que tem um dos campos de atribuições mais amplos do mundo, podendo votar e vetar tudo e indicar os dirigentes mais altos do poder judiciário, onde 44 milhões de eleitores elegem 59 senadores e 65 milhões de eleitores elegem apenas 22 senadores. Fruto deste cenário é que o nosso sistema federativo chegou à dura realidade, onde o poder Legislativo autorizou o poder Executivo, a privatizar, a reformar o Estado, a legislar em algumas matérias, desqualificando-o e a deixar os estados e municípios, com menos de 10% do orçamento para investimento, tornando letra morta à proposta de orçamento participativo.
Por isso o deputado federal José Dirceu (PT), em seu livro Reforma Política, onde defende a revogação da reeleição para os cargos de presidente, governador e prefeito, propõe a implantação do quociente eleitoral nacional para a eleição da Câmara dos Deputados e a redefinição das atribuições do Senado Federal, restringindo a questões federativas, perdendo o poder de votar e vetar todas as matérias.
O novo governo vai ter esta realidade pela frente e não basta uma reforma política com a implantação do sistema eleitoral misto, fim das coligações proporcionais, fidelidade partidária, voto facultativo, cláusula de barreira e financiamento público de campanha. É preciso enfrentar o problema federativo, que envolve a distorção do sistema político parlamentar e de atribuições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a redefinição do papel dos organismos regionais de desenvolvimento, verdadeiros aparelhos para eleger e manter a maioria no poder Legislativo e uma reforma tributária que permita a descentralização das receitas de forma equilibrada entre os entes federados.
Robert Dahal, teórico da democracia, diz que ela só se consolida com a construção de inúmeros centros de poder, onde a soberania fique pulverizada entre eles. É para isso que o novo governo foi eleito, como outros no passado, que foram tragados pelo esqueleto do federalismo centralizador e clientelista que o período autoritário deixou no armário da democracia.
Geraldo Serathiuk é especialista pelo IBEJ-PR.