Lendo, em 18 do corrente, o nosso O Estado do Paraná, como faço costumeiramente, deparei com uma notícia que muito me entristeceu.
A manchete já dizia tudo: ?Astorga estuda a mudança do hino oficial da cidade?.
Na verdade, trata-se do projeto 087, de 21 de novembro de 2006, que ?considera que o hino vigente de 8 de maio de 1964, estaria ultrapassado?, com a justificativa, do senhor prefeito municipal, de que se trata de um projeto com finalidade mais cultural do que qualquer outra coisa, pois, ?queremos que seja feita uma música que identifique nossa cidade, história, povo e gente? e que ?venha valorizar o município?.
Mas a reportagem revela, também, opinião de um ilustre vereador, segundo a qual ?muitos astorguenses acreditam que tal proposição teria até um cunho religioso, porque o refrão faz referência a Nossa Senhora Aparecida?.
Verdadeira ou não a assertiva supra, quer me parecer, data venia, que não há qualquer justificativa para tão esdrúxula proposta, já que a letra do hino, de autoria do saudoso compositor Francisco Pereira da Silva é linda, reportando-se, por evidente, a riqueza que emana do solo fértil daquela bendita terra.
Aliás, história de sua criação vem descrita, magistralmente, no opúsculo ?Cinqüentenário da Comarca de Astorga?, que o egrégio Tribunal de Justiça editou em junho de 2004, verbis: ?O hino de Astorga foi instituído pela Lei n.º256-A/64-C, promulgada pelo presidente da Câmara Municipal em exercício, João Ferreira Barbosa, no dia 8 de maio de 1964. Coincidentemente, 19 anos antes, na mesma data, era elaborado o projeto da cidade. O hino surgiu da amizade entre Francisco Pereira da Silva, professor da Escola Normal Colegial Monsenhor Celso e o juiz de direito da Comarca, Luiz Renato Pedroso. O magistrado provoca o primeiro passo para a criação do poema. Francisco, atendendo o amigo, elabora-o e dedica-lhe, inclusive a letra, musicada mais tarde por Rodolpho Kueger?.
Na verdade, uma única corrigenda enseja o texto, certo que o saudoso autor da letra jamais foi professor em Astorga, eis que radicado em Curitiba, embora visitasse a cidade, vez por outra.
Sinto-me, assim, um pouco responsável pela existência do ?Hino de Astorga?.
Aliás, Astorga jamais saiu de meu coração, dela me lembrando todos os dias, certo que, com o mesmo título que encima esta crônica, publiquei, naquele mesmo livro, o seguinte artigo, que tudo diz:
?A comarca dos meus sonhos?
?Era só escrever no coração as palavras do espírito para que lhe servissem de lembrança? (Machado de Assis).
?Recordo-me, com grande emoção, da minha atividade jurisdicional, exercida no interior do Estado, de 1955 a 1966, quando aportei em Curitiba, depois juiz do Egrégio Tribunal de Alçada e desembargador.
Foram anos de rara felicidade, vinculando-me, coracionalmente aos meus jurisdicionados, especialmente nos oito anos em que judiquei na Comarca de Astorga.
Tenho-a em meu coração, eleita a comarca dos meus sonhos, dada a época venturosa em que lá convivi.
Elevada a comarca em 14 de dezembro de 1953, fui o segundo juiz titular, sucedendo o eminente magistrado Jorge José Domingos, aposentado, usufruindo a placidez remançosa de Pinhalão.
Trago lembranças gratificantes daquele povo humilde, generoso, trabalhador, cuja atividade era mais voltada à lavoura e, em especial, à cultura cafeeira, mas que jamais negava contribuição à Justiça.
Com o nascimento de meus três últimos filhos uni-me, indissoluvelmente, à comunidade astorguense, escrevendo no coração as lembranças que sempre assomem o meu pensamento.
Sou muito grato a Astorga e, por isso, quero saudá-la nesta oportunidade, cinqüenta anos após a instalação da comarca.
Que o ?Juiz dos Juízes? sempre abençoe e prodigalize de graças a gente astorguense, são os anseios de seu antigo juiz!?
Reitero, neste momento, os votos à ?comarca dos meus sonhos?, confiando que a sua história seja preservada, mantendo-se o ?Hino de Astorga?, que seus filhos sabem e gostam de cantar!
Luís Renato Pedroso é desembargador jubilado, presidente do Centro de Letras do Paraná e vice-pre-sidente do Movimento Pró-Paraná, além de ter sido juiz de Direito em Astorga.