Representantes da ala ultra-esquerda do Partido dos Trabalhadores, reunidos recentemente em São Paulo, fecharam um acordo, no mínimo singular: sairão de cena para ajudar o candidato Lula da Silva na eleição para a Presidência da República. Diz o grupo ? ele inclui cerca de um terço dos parlamentares federais eleitos pelo partido ? que depois da eleição serão outros quinhentos: pretende ter posições próprias num eventual governo do PT. Entre as posições próprias, por exemplo, está a de ser contra o acordo com o FMI ? Fundo Monetário Internacional, que veio em socorro condicionado à economia brasileira.
Comentando o fato, o presidente nacional do partido, deputado José Dirceu, diminuiu a importância do encontro para, também, socorrer o candidato Lula. Mas comemorou o fato de as tendências realmente importantes do partido ? como a Articulação de Esquerda – não terem enviado ninguém à reunião. O PT, sabe-se de muito tempo, se basta: é uma frente de tendências. Sozinho, é capaz de compor todos os espectros ideológicos de um governo arrumado em todas as posições. Incluindo as inúmeras facções em que se dividem os comandantes do MST ? Movimento dos Sem-Terra. O difícil é saber qual das tendências vai prevalecer num eventual governo de Lula, agora também amarrado a outras tendências, como as do ex-presidente José Sarney e do reeleito senador Antônio Carlos Magalhães.
Talvez seja por isso que o candidato do PSDB, José Serra, anime-se a dizer que ele está mais à esquerda de seu adversário e que, por isso, representaria garantia de melhores e mais profundas mudanças. Na verdade, à falta de propostas concretas para a solução de nossos males maiores, a disputa está sendo dirigida para ver quem é o mais canhoto dos contendores, alguma coisa incompreensível para a maioria dos eleitores brasileiros. A dialética de esquerda-direita, além de incompreensível para muitos, pouco interessa ao povo brasileiro. Ele descobriu que ideologia, faz muito, não enche barriga. É coisa para alimentar teorias de intelectuais.
Mas há algo sobre o que precisa refletir mais e com vagar: se os radicais se afastam para ajudar na eleição, isso não significa – aliás, são eles próprios que dizem – que ficarão longe de um governo, que, assim, com sacrifício extremado, ajudam a conquistar. A ala radical haverá de reivindicar o seu quinhão. E como já manda avisar, é contra o acordo com o FMI – posição que motiva quase todo esse nervosismo dos mercados, disparada do dólar e tudo o mais. Lula, que já foi instado a “jurar” sobre o acordo, ora diz que vai honrar, ora deixa dúvidas. E a cada nova dúvida, o dólar dispara.
As desconfianças, que antes se resumiam a meia dúzia de analistas norte-americanos, agora já contaminam a Europa. O jornal Financial Times, de Londres, adverte para “o primeiro e mais importante desafio de Lula”, que será lidar com a crescente crise econômica do Brasil. Esses problemas, segundo o jornal, são realçados por uma “falta de crença na habilidade dele (Lula) para gerenciar a economia”. Além disso, “todos os sinais de uma moratória potencial são visíveis”, observa o jornal londrino, aduzindo que o silêncio do PT antes do segundo turno foi compreensível, “mas não pode permanecer”. O mínimo de clareza é necessária para o sossego dos investidores e, por conseqüência, do Brasil.