A cidadania e o Poder Judiciário

O Poder Judiciário deveria ser exemplo de cidadania; entretanto, analisemos os últimos fatos.

Por determinação do art. 2.º, § 2.º da Resolução n.º 114, de 19 de outubro de 2005, do TRF-4.ª Região, há obrigatoriedade de que os recursos especial e extraordinário sejam interpostos nas sedes dos Tribunais Regionais Federais, bem como de que os demais recursos contra decisões dos Tribunais Superiores (Agravo Regimental, Agravo de Instrumento, Embargos de Declaração, etc.) sejam interpostos diretamente na sede do STJ ou STF. Na prática, o que isso provoca? Imagine-se um advogado do interior do Paraná ou de Santa Catarina os interpondo. Terá que ir a Porto Alegre ou diretamente a Brasília, ou então o cidadão terá que pagar a outro advogado para executar esse serviço.

Antes, havia autorização para interposição desses recursos perante a Justiça Federal de 1.ª instância. Agora, tanto os custos do processo quanto os obstáculos formais recrudesceram.

Na interposição de recursos perante o Tribunal de Justiça do Estado, ocorre a mesma dificuldade. O advogado é obrigado a interpor na capital, porque não há protocolo integrado, daí resultando aumento de custos para o cidadão.

Assim, depois de algum tempo permitindo que referidos recursos fossem interpostos perante a 1.ª instância da Justiça Federal, agora mudaram-se as regras. As possibilidades de acesso aos jurisdicionados foram suprimidas. Afronta-se o princípio do regresso social. Impende observar que ?a defesa dos direitos e o acesso aos tribunais não pode divorciar-se das várias dimensões reconhecidas pela Constituição ao catálogo dos direitos fundamentais? (Canotilho). O acesso deve dar-se nos aspectos material e substancial. Se operacionalmente essa possibilidade inexiste, isso é pior do que negar o próprio direito de ação, pois o jurisdicionado fica sem a efetividade do direito.

Em todos esses casos, o que se percebe? A criação de dificuldades para interposição de recursos, a fim de que formalmente não sejam conhecidos. É um fogo cerrado contra os recursos, quando desde o direito romano são direitos naturais do cidadão. Os advogados já sabem que fazer subir um recurso especial é loteria esportiva e o recurso extraordinário loteria federal. E agora, mesmo depois que a OAB reivindicou o protocolo integrado, procuram dificultar ainda mais a interposição de recursos, postergando o alerta de Chateaubriand: A justiça é o pão do povo, de que ele está sempre necessitando.

O acesso à Justiça, decorrente do direito de ação, está sendo tolhido. Já não bastam recursos que são eliminados ou têm reduzida sua finalidade; já não bastam os formalismos recursais, que se assemelham às parasitas, matando os direitos fundamentais; já não bastam os despachos judiciais, que, na apreciação do juízo de admissibilidade recursal, tornam a julgar a causa e impedem a subida, seja do recurso especial, seja do extraordinário. Será que o processo moderno trouxe no seu bojo outro tipo de muro da vergonha, que contém o absolutismo do formalismo e da burocracia?

Embasa-se a decisão de eliminar o protocolo integrado na Súmula 256 do STJ, que diz: O sistema de ?protocolo integrado? não se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça e também em precedentes do STF. Entretanto, e concessa venia, há dois equívocos: a norma constitucional prevalece sobre a processual e toda exegese deve ser a partir da Constituição para a norma inferior e não desta para aquela. Assegurando o direito de ação (art. 5.º, inciso XXXV da CF/88) e todos os meios disponíveis (art. 5.º, inciso LV da CF/88), a referida Súmula agride a norma constitucional. Mesmo que assim não fosse ad argumentandum, a referida Súmula engessa o que deve ser flexibilizado: se o recurso é um direito natural do cidadão, os meios dos procedimentos devem ser canalizados para o seu recebimento e não para alijá-los. Como já alertou o filósofo Miguel Reale, a jurisprudência está para a vida e não esta para aquela.  

A cidadania, um dos princípios que abrem a Constituição Federal, fica comprometida no seu exercício e na efetividade, porque o Poder Judiciário, que deveria tutelá-la com rapidez e eficiência na atividade jurisdicional, impede ao jurisdicionado o pleno exercício do direito de ação. Se ele reside em Brasília, está totalmente amparado. Porém, se reside no interior do Amazonas, do Rio Grande do Norte ou do Rio Grande do Sul, está sendo punido simplesmente por ser interiorano. Punido sem saber as razões. Condenado a ter maiores custos processuais sem saber o porquê, e a sofrer os tormentos de Jó sem compreender os motivos. Retornamos ao processo kafkaniano, ou melhor, exclamamos com Moliére no Ato V de O Misantropo: Tenho a justiça a meu lado e perco a questão!

Manoel Antonio de Oliveira Franco é presidente da OAB-PR.

Dirceu Galdino Cardin é vice-presidente da OAB-PR.

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