Senhor de mais de um milhão e meio de votos – o deputado federal mais votado do País em todos os tempos – Enéas Carneiro – batizou de “venda empresarial” o artifício através do qual engordou seu caixa de campanha às avessas do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Ele e seus correligionários mais chegados cobravam, conforme as denúncias agora apresentadas e confirmadas, até cinco mil reais em troca de uma vaga de candidato. “Meu nome é Enéas”, bradava o carequinha barbudo na televisão, quase sem tempo para falar outras coisas. Agora está gastando saliva para explicar à nação um comportamento que pouco ou nada tem de diferente daquele contado nas velhas fábulas eleitorais em que dentaduras, metade de cédulas, meio-par de sapatos e coisas do gênero entram para convencer eleitores.
No Prona – Partido da Reedificação da Ordem Nacional é assim: quem quiser espaço, que pague, independentemente das idéias. Melhor, antes de mais nada, tem que comprar cartilhas contendo doutrina cujo conteúdo não é lançado no horário eleitoral gratuito por… falta de tempo. Só que o dinheiro da arrecadação vai para a conta da livraria e editora do próprio chefe supremo que, depois, transfere a soma para sua conta pessoal, a partir da qual contabiliza como lhe convém as doações únicas por ele oferecidas ao partido. Um caso singular.
Digamos melhor, como quer Enéas, um “procedimento de rotina”. Ao que consta, a cartilha de Enéas não contém explicações sobre esse procedimento. Afinal, como justifica o deputado eleito, já tantas vezes candidato a presidente, “o dinheiro não é do Prona, é da minha empresa”. Naturalmente, com isso ele quer dizer que sua empresa deve ser ressarcida dos custos com a impressão das cartilhas… assim, “percebam quão ignominiosa é essa tentativa de desarmonizar a maior votação da história”.
Quem fez a denúncia ora confirmada e à qual Enéas (e a também generosamente eleita Havanir Nimitz) estão sendo obrigados a responder perante a Justiça Eleitoral é um comerciante quase anônimo. No dizer de Enéas, um “senhor cínico e despudorado, um indivíduo sem caráter e dignidade”. Ele acha normal “sugerir colaborações” , já que “não tivemos empreiteiras, bancos e financeiras” – um “ponto nevrálgico” que lhe autorizaria a lançar mão de outros artifícios, como vender cartilhas.
Enéas gaba-se de afirmar que toda a bancada que está carregando nas costas – gente considerada eleita com menos de 300 votos – é obra sua, apenas sua e de mais ninguém. Seria obra sua também a cobertura dada a um dos eleitos sem mérito pessoal que, inscrito em São Paulo, é funcionário público no Rio de Janeiro onde, além de residir, teria que cumprir expediente. Seu endereço na capital paulista está sendo contestado na Justiça Eleitoral e corre o risco de não ser diplomado. Agora o próprio Enéas pode tombar do alto de seus mais de um milhão e meio de votos. Ele resiste ao grande tombo com o argumento de que “basta olhar na lista quem assumiria nossos lugares se fôssemos afastados”.
Ora, dr. Enéas. Em política é assim: titubeou, levou. E ainda bem que é assim, pois cada um tem suas desculpas e justificativas pessoais para fazer o que faz (também o tinha PC Farias, o tesoureiro de Collor). Sua fúria moralizadora não passou de um pequeno redemoinho. Que pena!
Em poucas palavras, como convém ao caso: Espera-se justiça. E reforma eleitoral.