Foi muito sutil e delicada – mas incisiva – a repreensão do presidente Lula às lideranças do Movimento dos Sem Terra pelos atos de violência praticados no Ministério da Agricultura, em Brasília e em Pernambuco, na semana que passou. Falando à imprensa no jardim da Embaixada do Brasil junto à ONU, em Nova York, onde se encontrava e fora informado dos fatos, o presidente acabou fazendo ali a primeira advertência de que se tem conhecimento aos seus “amigos” do MST. Devem estar conscientes de que, “com um comportamento desses, eles não se ajudam”, disse o presidente.

O verbo, como foi empregado, deixa evidente uma visão mais equilibrada que aquela demonstrada por Lula ao vestir o boné do movimento, recentemente, durante uma audiência em palácio. O presidente sugere que os limites do bom senso estão sendo ultrapassados e que, assim, o governo não terá como manter essa posição de simpatia (para não dizer incentivo às suas ações), até aqui evidente, pelo movimento. Se eles não se ajudam, quem haverá de ajudá-los? Em outras palavras, merecem o castigo se perseguirem o mau comportamento.

A carraspana valeu, pois os fatos não poderiam passar em branco, como outros do gênero até aqui têm passado. Acampados desde o domingo anterior na sede local do Incra, cerca de 1.500 agressivos manifestantes armados de foices, enxadas, facões e pedaços de pau resolveram bloquear, durante mais de quatro horas da quarta-feira, um dos principais pontos do Recife, exigindo do governo do Estado resposta a diversos pedidos apresentados, entre eles a realização imediata de vistoria a áreas ocupadas pelos próprios sem-terra. Na terça-feira, enquanto Lula falava sobre a fome mundial na Assembléia Geral da ONU, outros furibundos sem-terra invadiam a sede do Ministério da Agricultura, em Brasília, onde danificaram o patrimônio público, para simplesmente protestar contra os transgênicos – coisa que nada tem a ver com reforma agrária.

Quando se reunir outra vez com os governadores todos, nessa terça-feira, na Granja do Torto, o presidente terá oportunidade de melhor avaliar o que se passou por aqui na sua prolongada ausência. Perceberá que a reforma tributária, longe de acontecer como queria, está partindo o Brasil ao meio – estados pobres contra estados considerados ricos, cada parte querendo aumentar mais o bolo tributário arrecadado. De quebra, terá que tomar alguma providência para acalmar seus amigos do MST, mais interessados na disputa política e seus debates circunstantes, como os transgênicos, que na causa agrária. E se não quiser se enveredar – como disse – pelos mesmos erros que o Brasil cometeu nos últimos 15 anos, terá que fazer ver que os sem-terra só granjeiam alguma simpatia popular quando lutam pela reforma agrária de verdade, assim como os governadores só têm respaldo dos contribuintes e eleitores quando advogam a reforma tributária ampla, não apenas o aumento da capacidade de arrecadar do Estado.

A toque de caixa e sem os devidos cuidados, uma e outra reforma acabariam por aumentar a miséria brasileira – a das cidades onde o desemprego cresce, e aquela do campo, para onde a primeira tende a migrar já embalada no sonho do MST. Nem se fale aqui da reforma da Previdência, cuja evidência mais combatida é a manutenção de injustos privilégios, exatamente os que deram origem ao discurso reformista já no início do governo passado.

Em sua advertência aos baderneiros encravados no movimento dos sem-terra, Lula afirma que seu governo veio para mudar o Brasil. E a mudança que todos esperam não é esta que, de um lado, advoga o aumento de tributos e, de outro, é complacente com o aumento da violência. Nos movimentos sociais ou fora deles, a ordem precisa ser mantida. Ainda bem que Lula está avisando.

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